Menos de um mês após os Estados Unidos lançarem uma nova ofensiva em sua guerra fria tecnológica contra a China, a inteligência artificial, maior alvo da disputa, surgia como um dos raros temas de possível acordo na reunião entre o presidente americano, Joe Biden, e o líder chinês, Xi Jinping.
O governo americano anunciou em 17 de outubro uma nova rodada de restrições de exportações de semicondutores e equipamentos de fabricação dos chips para a China, na tentativa de brecar os avanços de Pequim em inteligência artificial.
O progresso da China na área é visto pelos EUA como uma ameaça existencial. E uma das grandes preocupações é o acesso das forças militares chinesas aos semicondutores necessários para treinar modelos de IA –para possibilitar, por exemplo, que mísseis inimigos sejam detectados e gerem um contra-ataque autônomo, sem necessidade de intervenção humana.
A Casa Branca começou a impor sanções contra empresas como a Huawei e ZTE em 2019. Em outubro do ano passado, o governo Biden anunciou restrições amplas à exportação de chips e equipamentos para a China. No início deste ano, Japão e Holanda se uniram aos EUA nas restrições de vendas. E, no mês passado, o governo Biden anunciou novas medidas para tentar fechar brechas que estavam sendo exploradas pelos chineses para obter os chips avançados.
O líder chinês muito provavelmente abordou na reunião com Biden a irritação de Pequim diante dos controles de exportação que ameaçam desacelerar o desenvolvimento de um dos setores eleitos como prioritários no país. Mas Biden deve dar de ombros –ainda que queira reduzir o nível de tensões com a China em meio a duas guerras, da Ucrânia e em Gaza, sufocar o desenvolvimento tecnológico da China é prioridade dos americanos.
Mesmo em meio a essa queda de braço, a aposta era em que os dois países anunciariam um canal de diálogo ou diretrizes para vetar o uso de IA em controle e comando de armas nucleares, segundo antecipou o South China Morning Post. Para a China, a expectativa é que aderir a esse tipo de iniciativa possa suspender, temporariamente, novas restrições dos EUA à exportação de chips e equipamentos.
“Os desafios globais críticos que nós enfrentamos, de mudanças climáticas a combate ao tráfico de drogas e inteligência artificial exigem nossos esforços conjuntos”, disse Biden no início da reunião com Xi na Califórnia.
Esperava-se comprometimento dos dois líderes com o veto à incorporação da inteligência artificial em equipamentos militares autônomos como drones e armamentos nucleares. A ideia seria garantir que sempre haverá um humano para decidir se vai acionar armamentos nucleares.
Em fevereiro, os EUA lançaram a Declaração Política do Uso Militar Responsável de IA e Autonomia —36 países assinaram, mas a China não. Mesmo assim, Pequim demonstrou sua disposição de apoiar iniciativas diplomáticas sobre IA ao aceitar participar –e endossar– a declaração de Bletchley Park na Cúpula de Segurança de IA no Reino Unido, em 1º de novembro.
Há poucos dias, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, foi indagado sobre possível cooperação entre EUA e China para vetar a IA em comando e controle de armamentos nucleares. Ele não confirmou, nem negou, limitando-se a dizer: “Acreditamos que a IA não deve participar ou liderar decisões sobre quando e como uma arma nuclear deve ser usada.”
Ao lado da retomada da cooperação em combate ao aquecimento global, o compromisso com a segurança de IA seria um dos poucos resultados mais concretos dessa cúpula
Um dos sinais das tensões na relação é o fato de que os dois líderes nem sequer planejavam divulgar um comunicado conjunto após a reunião, procedimento que é praxe diplomática. Como é difícil chegar a um nível mínimo de acordo em temas sensíveis como Taiwan, Guerra da Ucrânia, militarização chinesa no mar do Sul da China e tensões com as Filipinas, cada um emitirá seu comunicado separado.