“O papel do X hoje é empurrar as pessoas para a direita e afastá-las do debate honesto sobre os rumos do país”, afirma o jornalista Ryan Mac, um dos autores de “Limite de Caracteres: Como Elon Musk Destruiu o Twitter“, ao avaliar o impacto da plataforma nas eleições nos EUA em 2024.
Mac observa que fake news, como a de que imigrantes haitianos estariam comendo animais de estimação, e figuras outrora banidas da plataforma, como o neonazista assumido Nick Fuentes ou o teórico da conspiração Alex Jones, não apenas estão presentes no X de Musk: são impulsionadas pelo próprio dono da rede.
Após sair aparentemente derrotado do embate com o STF (Supremo Tribunal Federal) do Brasil, Musk voltou toda sua energia online para a política americana e à militância pela vitória de Donald Trump.
“Podemos discutir o mérito dos argumentos e da disputa, mas Musk tem uma clara motivação política quando se trata de moderação de conteúdo no site”, afirma Mac, observando que a empresa acatar ou não decisões judiciais em diferentes países depende mais das simpatias do bilionário do que do respeito à lei ou da preocupação com as possíveis consequências reais daquilo que é publicado.
Mas como a plataforma, concebida para ser uma “praça pública digital”, chegou a esse cenário? Em três atos, é esta a pergunta que o livro, escrito por Mac com Kate Conger, sua colega no jornal The New York Times, responde com impressionante detalhismo.
Fruto de rica cobertura jornalística, “Limite de Caracteres” transforma o leitor em espectador onisciente da linha do tempo que vai da criação do Twitter num rascunho no caderno de Jack Dorsey ao momento em que Musk encontra Trump, em março de 2024, e o destino da plataforma é selado: “Ele era o dono do Twitter —até que o Twitter deixou de existir.“
Ler sobre as reviravoltas da negociação, amplamente noticiadas, pode não empolgar quem se interessa mais pela figura de Musk e por sua gestão à frente da rede social. O que se destaca nesta primeira parte da narrativa é o perfil do bilionário sul-africano, que compra o site num arroubo quase infantil de “quero porque quero”, pagando ao menos o dobro do que o brinquedo de fato valia. “O bilionário via a compra da empresa como uma piada cara.”
Papéis assinados, passa o rolo compressor capitaneado por Musk e por seu séquito de figuras fiéis que, mostra o livro, operam quase como um culto ao magnata. “Nosso trabalho é protegê-lo e garantir que o que ele quer que aconteça, aconteça. Precisamos proteger a missão”, escreve Jehn Balajadia, assistente de Musk, a uma funcionária do X.
Declarações do tipo por parte do círculo íntimo de Musk percorrem toda a leitura que, a partir do momento que o bilionário adentra o Twitter como seu dono, mostra o cenário desolador que se instaura para os 7.500 funcionários da empresa ao redor do mundo.
O que se segue são ondas de demissões em massa sem critérios claros e uma destruição da cultura da empresa que, se não era exemplo de eficiência nas gestões de Dorsey e de Parag Agrawal, ao menos cultivava um ambiente em que funcionários tinham liberdade para expressar críticas e questionar decisões.
Isso acabou. No lugar, uma gestão errática e antidemocrática se instaura, como deixa claro o relato de Vijaya Gadde. “Era seu primeiro contato com um dos truques operacionais favoritos de Musk: impor um prazo impossível e testar as pessoas”, diz o livro, uma artimanha que se repete continuamente.
Além de “Limite de Caracteres” revelar Musk como chefe paranoico e brutal, há momentos que parecem ter saído de esquetes de comédia. Exemplos são os episódios em que ele brinca de desligar servidores ou em que fica revoltado quando um tuíte do presidente Joe Biden tem mais engajamento que um post seu —então, obriga os engenheiros do Twitter, da noite para o dia, a alterarem o algoritmo para impulsionar suas postagens.
Combater a desinformação acerca das eleições brasileiras em 2022 também não estava na lista de prioridades para Musk, que não só ignorou os alertas de que a invasão do Capitólio poderia se repetir no Brasil, mas demitiu “algumas das únicas pessoas que sabiam operar as ferramentas que detectavam tuítes enganosos sobre as eleições”.
Não moderar conteúdos relativos às fake news nas eleições brasileiras —ou melhor, “deixar rolar” —foi uma das primeiras decisões de Musk à frente da empresa, destaca Mac.
Nada indica postura diferente ante as eleições americanas, ao contrário. E para quem não gostar, o próprio Musk tem uma resposta: “Que pena, eu sou a lei”.