Conheci Sarah Collins Rudolph, uma mulher pequena aconchegada em um sofá cáqui, no mês passado em sua sala escura em Birmingham, no Alabama. O cômodo é uma espécie de santuário, rememorando o ato de terror de 1963 que matou quatro meninas, mas poupou uma quinta.
Ela era aquela quinta menina. Rudolph sobreviveu ao bombardeio da Ku Klux Klan à Igreja Batista da rua 16 em Birmingham há 60 anos. Sua irmã e sua amiga estavam entre as crianças mortas.
Nos anos que antecederam esse ataque, terroristas brancos, furiosos contra a integração, detonaram bombas em Birmingham com tanta frequência que a cidade ganhou um apelido ignominioso: Bombingham.
Rudolph tinha 12 anos na época. Naquele dia, a explosão espalhou vidro por todo o seu corpo, incluindo seus olhos. Ela foi encontrada em pé, atordoada, nos escombros e foi levada às pressas para um hospital. Um olho foi perdido, mas o outro foi salvo; com fragmentos de vidro nele, os médicos tiveram medo de removê-los e correr o risco de deixar a menina completamente cega.
Ela me disse que quando ouviu que as outras meninas haviam sido mortas, quis chorar: “Mas tudo o que eu podia fazer era sentir muita dor por isso, porque eu sabia que, com meus olhos como estavam, eu não podia chorar como eu queria”.
Na mesa de centro dela, hoje há uma foto da época, em uma cama de hospital, com o rosto marcado por cicatrizes e com curativos sobre os dois olhos. Há algo em mim —talvez o pai, talvez apenas o ser humano— que quer acalmar a criança naquela foto; segurá-la, chorar por ela.
Poucos dias antes do bombardeio, o governador George Wallace reclamou que “os brancos em nenhum lugar do Sul queriam integração” e que o que seria necessário eram “alguns funerais de primeira classe”.
Com a morte daquelas meninas, Wallace conseguiu exatamente isso. Milhares de pessoas compareceram ao funeral delas e o reverendo Martin Luther King, que havia enviado um telegrama ao governador, com críticas —”O sangue de nossas crianças está em suas mãos”— fez o discurso fúnebre.
Mas Rudolph não pôde comparecer porque ainda estava no hospital. Para ela, o luto adequado foi adiado por muito tempo. Seu trauma foi envolvido pelo silêncio.
Ela me explicou que logo após receber alta do hospital, foi enviada de volta à escola “em uma situação terrível” porque “não recebeu nenhum aconselhamento ou algo assim”. A maioria de seus colegas foi mandada embora, por medo, para morar com parentes, e sua própria mãe raramente falava sobre o que havia acontecido além de ocasionalmente apresentá-la como “meu bebê que estava na bomba da Igreja da rua 16”.
Ela não falou sobre o atentado até um dia, aos 40 anos, quando um pregador disse que podia ver que ela tinha “um problema nervoso” e que Deus iria curá-la. Desde então, ela tem se manifestado, pedindo o que acredita que lhe é devido: restituição do Estado por sua dor e sofrimento.
Mas isso não aconteceu. Rudolph diz que a única coisa que recebeu depois de décadas de contas médicas foi uma ajuda do condado para substituir sua prótese ocular, que ela diz ter sido avaliada em US$ 2.000.
O marido dela, George Rudolph, interrompeu a nossa conversa em um certo momento, demonstrando a sua frustração com a situação. “Agora mesmo, ela ainda tem que ir ao oftalmologista e pagar do próprio bolso. Isso não deveria ser assim.”
Respondendo ao pedido de restituição de Sarah Rudolph, a governadora Kay Ivey, do Alabama, escreveu um pedido de desculpas morno em 2020 —endereçado não a ela, mas a um advogado— cheio de lugares-comuns e evasivas sobre qualquer possibilidade de restituição.
Uma das coisas que percebemos fortemente em nossa entrevista é que o casal se sente desrespeitado, desvalorizado e ignorado.
“Ela deveria ser tratada como o 11 de Setembro, a Igreja Mãe Emanuel, a Maratona de Boston”, explicou George Rudolph. “Aquelas famílias foram indenizadas, mas eles não farão isso por Sarah. E o que eu não entendo é o que há de tão difícil nisso?”
Pouco depois dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, o Congresso estabeleceu um fundo de compensação para os feridos ou familiares de pessoas mortas nos ataques. Foi orçado em um total de US$ 5,12 bilhões para os anos fiscais de 2002, 2003 e 2004.
As famílias das vítimas e os sobreviventes dos assassinatos de 2015 na Igreja Mãe Emanuel AME em Charleston, na Carolina do Sul, processaram o governo federal, alegando que o sistema de verificação de antecedentes do FBI falhou em impedir o atirador (um supremacista branco autodeclarado que queria iniciar uma guerra racial) de comprar uma arma. Ele também era um terrorista. O caso foi resolvido por US$ 88 milhões.
O One Fund Boston foi criado após o atentado terrorista da Maratona de Boston e arrecadou quase US$ 80 milhões de mais de 200 mil doadores para serem pagos aos sobreviventes e às famílias dos mortos pelo bombardeio.
Os Rudolphs também se consideram vítimas de um ato de terror —de que outra forma você pode ver isso?— que o estado do Alabama e o país reconheceram, mas se recusaram a fornecer compensação.
Isso levanta uma pergunta muito real: o que os EUA devem às vítimas do terror racial do país? Isso faz parte do debate mais amplo sobre as reparações. Até agora, as respostas têm sido totalmente insuficientes.
Em 1994, 71 anos após o Massacre de Rosewood, o Legislativo da Flórida aprovou um pacote de compensação de US$ 2,1 milhões para sobreviventes e seus descendentes, incluindo pagamentos diretos e bolsas de estudo. Para efeito de comparação, as famílias daqueles que morreram no 11 de Setembro receberam em média mais de US$ 2 milhões, isentos de impostos, por reclamação.
Em julho, um juiz de Oklahoma rejeitou uma ação movida por sobreviventes do Massacre Racial de Tulsa de 1921 em busca de reparações. Há 23 anos, uma comissão estadual recomendou reparações para os sobreviventes do massacre. Eles nunca receberam esse dinheiro, embora alguns estudantes do ensino médio de Tulsa tenham recebido bolsas de “reconciliação” e, em 2022, US$ 1 milhão tenha sido doado a três dos sobreviventes por uma organização sem fins lucrativos de Nova York.
No funeral daquelas meninas de Birmingham, Martin Luther King disse que “a história provou repetidamente que o sofrimento injusto é redentor”. Mas a história também está demonstrando que as pessoas negras que sofrem lesões raciais têm indenizações rotineiramente negadas.
E à medida que os Rudolphs envelhecem, eles estão profundamente conscientes de que o tempo está se esgotando para que garantam alguma forma de restituição. Como disse George Rudolph, “estou esperando que algo aconteça, sabe, antes de deixarmos esta terra”.