Em um parquinho na extremidade oeste da vila de Ichinono, no Japão, uma mãe observa atentamente um grupo de crianças sob as nuvens cinza das chuvas de outono. Duas crianças estão em patinetes. Outra está em um balanço de madeira. Uma quarta está pedalando em direção à floresta em uma bicicleta rosa.
Nenhuma delas é real.
A chuva recomeça e as cinco figuras —assim com dezenas de outras bonecas de tamanho real concebidas para povoar uma vila despovoada— permanecem em seus lugares.
As cerca de 60 bonecas que os moradores começaram a criar há alguns anos para preencher a lacuna psicológica que se formava à medida que as pessoas partiam agora superam os 53 residentes de carne e osso dessa vila ao norte da cidade de Osaka. Algumas estão envolvidas em atividades agrícolas. Outras estão brincando, se exercitando ou em meio a uma conversa. A maioria está apenas apoiada, seus olhos de pano fixos no espaço enquanto o mundo desvia de Ichinono, indiferente.
O portão de um jardim bate em algum lugar da estrada. Uma bomba borbulha água em um lago cheio de carpas. Caso contrário, a vila fica em silêncio.
Mas, à medida que a escuridão da noite envolve o pequeno aglomerado de casas e dois dos moradores voltam do trabalho, um som que não era ouvido desde o começo do novo milênio quebra o silêncio. Em uma casa térrea parcialmente reformada no centro da vila, um bebê está chorando.
Não dura muito. Kuranosuke é a primeira criança nascida em Ichinono em mais de duas décadas. Ele é o residente mais jovem em muitos anos e, enquanto come arroz e batata-doce, é a definição do contentamento.
Na Terra há pouco mais de um ano e amado por um grupo de avós substitutos de todo o vilarejo, o menino já apareceu até em poemas. Quando seus fãs locais o veem, é o centro das atenções e alvo dos músculos parentais que, em alguns casos, não eram exercitados há mais de meio século. A esposa do chefe da vila escreveu um haicai em uma placa de madeira na entrada da casa da família —”corre pela vila / o som dos pezinhos / rajadas de folhas jovens”.
O menino balbucia de volta para sua refeição, um herói por simplesmente existir.
Para alguns, essa cena —excepcional, mesmo no Japão— pode parecer distópica. Ou, no mínimo, uma versão extrema das consequências das baixas taxas de natalidade —agora estabelecidas em partes significativas da Ásia e da Europa— não compensadas com imigração. Países como a China, cuja população agora começou a diminuir, podem pensar que o Japão tem lições sobre como esse processo será daqui a algumas décadas.
A imprensa e, com ela, o debate político, tendem a optar pela interpretação negativa dos dados sobre a taxa de natalidade. Em janeiro, o primeiro-ministro Fumio Kishida declarou o que parecia ser uma linha divisória da era de políticas de taxa de natalidade mal-sucedidas. A atenção do governo não poderia mais ser desviada desse problema porque, como ele disse, “o Japão está a ponto de saber se poderá continuar funcionando como sociedade”.
Mas para a família Kato, Ichinono é uma utopia. Kuranosuke Kato e seus pais, Toshiki e Rie, na casa dos trinta anos, optaram por viver em desafio às tendências consumistas e urbanizantes do Japão. O equilíbrio entre nascimentos e mortes no país significa que sua população nativa está diminuindo a uma taxa de cerca de uma pessoa a cada minuto. A população de Ichinono, para onde a família Kato se mudou há três anos, assim que a pandemia começou, diminuiu em três pessoas apenas em 2022.
Quase 32% dos homens japoneses e 24% das mulheres nunca se casaram. Cada vez menos jovens japoneses estão se casando e o número anual de matrimônios —em geral, um requisito social japonês para ter filhos— é a metade do registrado na década de 1970. No ano passado, menos de 800 mil bebês nasceram no Japão e a população nativa diminuiu em mais de meio milhão.
Enquanto isso, o casal Kato deixou foi para o interior, se casou e está pensando em ter um irmão ou irmã para fazer companhia ao filho. Toshiki trabalha em casa como consultor de empresas de tecnologia da informação. Rie, uma parteira em um hospital para o qual ela viaja de carro todos os dias, está no setor de bebês, e seu marido parece gostar da ironia.
“Gosto do campo. Podemos encontrar uma identidade aqui. Na cidade há muitas regras, aqui é mais livre”, diz Toshiki, que descobriu Ichinono por acidente durante uma viagem de trabalho alguns anos atrás.
“Ainda não sei se mudar para cá foi uma boa ideia ou não, mas parece ser a coisa mais humana a se fazer. Minha esposa tem menos estresse e meu filho pode levar uma vida próxima à natureza. Estar no campo diz respeito à segurança mental. Estamos menos ansiosos para criar filhos”.
Ainda assim, a escolha deles é incomum. Há algumas décadas, a vila, encolhida nas colinas da província de Hyōgo e com uma sagrada árvore de carvalho de 500 anos no centro, estava indiscutivelmente em um curso demográfico para zero. Se a família ficar ali, parece perfeitamente possível que Kuranosuke chegue à idade adulta em uma vila onde ele e seus pais estejam praticamente sozinhos.
Em comum com o resto do Japão, onde 10% da população agora tem mais de 80 anos e 29% tem mais de 65 anos, Ichinono é velha. A maioria dos seus 53 habitantes já passou da idade de aposentadoria, e alguns estão bem além disso.
“Suponho que gradualmente nos acostumamos com a ideia de que a vila simplesmente desapareceria, e um dia todos nós teríamos ido embora. Ninguém novo viria para cá. Qualquer pessoa jovem seria incapaz de encontrar alguém para se casar aqui e partiria. Ela simplesmente desapareceria”, diz Taeko Murayama, uma agricultora cujas memórias em Ichinono incluem brincadeiras com sua avó em uma casa que agora está, a poucos metros dela, em ruínas.
O marido de Taeko, o agricultor de arroz Shinichi, vê a diminuição demográfica do Japão refletida na mudança da relação da vila com a natureza. Quando ele era jovem e o lugar tinha uma população muito maior e mais enérgica, Ichinono vivia em harmonia com a encosta arborizada ao seu redor. Os moradores derrubavam árvores, mas também replantavam e podavam. Os deliciosos —e valiosos— cogumelos matsutake cresciam com abundância nesse ambiente. Agora, com a floresta abandonada, os cogumelos desapareceram.
Metade das casas em Ichinono, segundo estimativas locais, estão vazias. Seus moradores morreram ou se mudaram para casas de repouso em outros lugares. De acordo com uma estimativa de 2018, elas fazem parte de um estoque nacional de 8,5 milhões de casas vazias —número previsto para aumentar para 20 milhões nas próximas duas décadas.
Os pequenos arrozais e fazendas de vegetais em que a vila vive são produtivos, mas desleixados. Cercas elétricas rodeiam muitas das áreas porque a população em declínio não produz mais a agitação que antes convencia ursos, veados, macacos e javalis a se confinarem nas colinas próximas.
Um fator muito marcante em tudo isso é o quão pouco isolada é a vila. Ela é facilmente acessível por estradas grandes e bem conservadas —há quatro campos de golfe de alta qualidade em um raio de 3 km das fazendas abandonadas de Ichinono que atraem um tráfego considerável. Fica a apenas 32 km de Kyoto e a 63 km do centro daquela que é geralmente considerada a segunda maior cidade do Japão, Osaka. Uma estação de trem-bala que pode levar uma pessoa a Tóquio a cada 15 minutos fica a menos de 30 minutos de carro.
A tentação é ver vilas como Ichinono como a vanguarda do temido aviso de Kishida em direção à disfunção. Toshiki, que ri do fato de os moradores gostarem de deixar abóboras e outros vegetais na porta para Kuranosuke, não concordaria. No melhor das hipóteses, diz ele, a cultura japonesa é na verdade a cultura da vila.
“É uma cultura de apoio mútuo. Quando meu telhado de palha desaba, todos ajudam a reconstruí-lo. Todos são donos da vila, e quando uma criança chega, todos a criam juntos”, diz. “Isso não acontece nas cidades grandes.”
No entanto, é muito improvável que a experiência da família Kato com o retorno ao campo seja amplamente replicada, e poucos realmente acreditam que a maré demográfica do Japão possa ser revertida. Os otimistas podem ver a família Kato como parte de um experimento bem-sucedido na economia do “decrescimento”; outros vão concluir que sua alegre quebra de tendência é a exceção que comprova uma regra muito mais deprimente entre os jovens japoneses.
As “décadas perdidas” do Japão, nos anos 1990 e 2000, embora relativamente confortáveis para milhões de japoneses e até invejáveis para outros países ao redor do mundo, deixaram uma marca negativa na sociedade. Ainda há um profundo senso de precariedade em relação ao trabalho, enquanto as pressões competitivas que perseguem pais e estudantes a gastarem pesadamente em educação extra não diminuíram.
Os longos anos de estagnação salarial são frequentemente culpados pela diminuição do otimismo dos japoneses. Mas também está claro que Kuranosuke nasceu em uma época em que décadas de torque demográfico acumulado —o envelhecimento superacelerado da sociedade e a redução das gerações sucessivas— estão desfazendo algumas das grandes certezas que fizeram do Japão o que ele é hoje.
Para alguns, isso inclui a ideia de que o crescimento, tanto econômico quanto demográfico, é o único curso válido. Outras questões são menos debatidas.
O establishment político japonês pós-guerra construído a partir do apaziguamento dos agricultores e da geração do baby boom deve reimaginar substancialmente as suas prioridades. Já o setor corporativo, uma vez moldado em torno da abundância de mão de obra legalmente inegociável, deve se reequipar e reestruturar para o oposto. A força de trabalho, antes conhecida por ser excessivamente sobrecarregada, agora está encolhendo e ganha poder para questionar.
A inquietação criada pela demografia pode ser melhor do que o Japão já admitiu para si mesmo. Para certas partes da indústria financeira, há muito o que comemorar nisso.
Em uma nota aos clientes publicada na semana passada pela corretora CLSA sob o título “Demografia perfeita do Japão”, o estrategista de ações Nicholas Smith argumentou que os investidores podem ver uma série de benefícios em um conjunto de circunstâncias que convencionalmente foram pintadas como totalmente negativas.
Enquanto a ameaça ao emprego da automação e da inteligência artificial pode ser um fardo para países com uma grande população, elas são uma bênção para uma população em declínio. Aumentos salariais —sua longa ausência, antes vista como um pesado para a revitalização econômica mais ampla— são muito mais prováveis à medida que a mão de obra se torna mais escassa.
Ainda assim, a sensação de um desastre incontornável em câmera lenta, no qual uma população jovem cada vez menor é forçada a sustentar uma população idosa cada vez maior, continua sendo a visão predominante. E isso é ainda mais perturbador pelo fato de todos saberem disso. O Japão vem enfrentando sua crise demográfica há muito tempo.
O debate sobre imigração no Japão, apesar do fluxo constante de trabalhadores estrangeiros como parte da política nacional, continua delicado e amplamente evitado. Provavelmente continuará sendo assim, dizem analistas políticos, mesmo que a narrativa pública encontre uma terminologia aceitável para trazer o debate mais plenamente para a conversa mainstream.
Em 2019, o Japão introduziu um programa de visto que efetivamente abriu o país para dezenas de milhares de trabalhadores braçais do exterior. Três anos depois, o governo produziu um roteiro para implementar a “convivência harmoniosa” com uma nova população imigrante. Tudo muito prático, mas nada disso capaz de acabar com a ideia de que o governo, em primeiro lugar, tem a responsabilidade de aumentar a taxa de natalidade indígena.
Essa ideia de responsabilidade governamental por uma decisão pessoal está profundamente enraizada. Lá em 1990, a mídia japonesa se encantou com o “1.57 shokku”, o ponto em que a taxa de fertilidade (nascimentos por mulher em idade fértil) havia caído decisivamente abaixo dos níveis de reposição, e um momento de reconhecimento nacional que coincidiu com o colapso da bolha de ativos do final dos anos 80. Apesar de toda a riqueza, engenhosidade e estabilidade, o Japão parecia não ser um país onde as pessoas queriam formar famílias.
Esses medos se tornaram mais reais a cada ano em que os novos números de fertilidade eram publicados. Desde o “1.57 shokku”, a taxa de fertilidade caiu para uma mínima histórica de 1,26 em 2005, subiu ligeiramente a partir daí e, desde então, voltou a cair para 1,26 em 2022. Está longe de reverter o declínio populacional, mas agora é maior do que as taxas de fertilidade em China, Taiwan, Coreia do Sul e Singapura. Essa comparação pode não imunizar as autoridades em Tóquio da necessidade política de “resolver” a questão da taxa de natalidade, mas pode ajudar a dissipar o mito prejudicial de que as causas são exclusivas do Japão.
O maior problema, diz Junya Tsutsui, especialista em demografia da Universidade Ritsumeikan, é que as políticas governamentais sucessivas em relação à taxa de natalidade têm se concentrado na parte errada do problema. A maioria das medidas lançadas ao longo dos anos é projetada para resolver o medo de que ter um grande número de filhos seja muito caro para os jovens japoneses.
No entanto, a queda na taxa de natalidade, segundo ele, se deve principalmente ao fato de que a população solteira está aumentando e as pessoas estão se casando mais tarde na vida. “O apoio à criação dos filhos tem pouco a ver com isso. A taxa de natalidade não está reduzida entre as pessoas que se casam. O Japão precisa aumentar a taxa de casamento.”
O problema, então, passa para a questão de por que mais japoneses não estão se casando e o que, realisticamente, qualquer governo pode fazer a respeito disso. Novamente, diz Tsutsui, as “décadas perdidas” têm muita responsabilidade nisso.
De todas as pesquisas realizadas sobre a questão da taxa de natalidade, ele diz que a mais significativa está relacionada à renda e às perspectivas de casamento. Entre os homens com uma renda anual de ¥ 5 milhões (R$ 169,1 mil) ou mais, diz ele, cerca de metade se casará dentro de alguns anos. Para os homens com uma renda inferior a ¥ 2 milhões (R$ 67,6 mil), essa proporção cai para 10%. Quanto mais precário o mercado de trabalho, menores são as perspectivas de casamento e, consequentemente, de ter filhos.
Portanto, Tsutsui diz que o Japão tem motivos para otimismo. As demografias do país, que antes pareciam hostis, estão, teoricamente, se tornando amigáveis. Quanto mais apertado o mercado de trabalho e quanto mais diretamente isso se traduz em aumentos salariais, mais os jovens se tornam aptos para o casamento.
A família Kato, sentada em uma mesa baixa em um piso de tatame, observa pacientemente a estrela da vila terminar seu jantar e olha para um pequeno carro de brinquedo no canto que pede para ser conduzido ao redor do quarto antes de dormir. Sua mãe, Rie, limpa o queixo dele e aponta para Ichinono —suas estradas quase completamente escuras e o silêncio, mais uma vez, sendo sua característica definidora.
“Aqui é tranquilo”, ela diz, “mas Kuranosuke precisa de amigos da mesma idade.”