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Vila arrasada na Ucrânia tenta se reconstruir após invasão – 16/04/2024 – Mundo

Quando os russos vieram, o ucraniano Vassili não arredou o pé. Não importava que estivesse com quase 70 anos e que toda sua família quisesse escapar.

Ele não queria se mover e assim o fez, mesmo que sua vila de Posad-Pokrovsk tenha se tornado então uma das mais bombardeadas daquela região da Ucrânia.

Ruas inteiras se tornaram sucessões de destroços. O jardim de infância foi transformado num bunker com camas de tamanho infantil e edredons de desenhos animados. A população de quase 3.000 pessoas, hoje cerca de um quarto disso, conseguiu fugir a tempo, o que fez com que o número de mortos ali não passasse de 20 durante o início da ocupação.

Mas Vassili, que tinha construído um ano antes uma sala com paredes de concreto de 40 centímetros de espessura, não quis ir na onda. “Nunca pensei em fugir. Para onde? Para quê?”, conta à Folha o homem de cabelos brancos, vestindo chinelos com meias felpudas.

“Aqui tenho tudo o que preciso para me manter. Tenho uma pequena fazenda com frangos, com perus. Sim, eles arruinaram minha casa, mas continuei vivo.”

Ele conta que os soldados inimigos vinham roubar suas aves, no desespero, e ele tentava dialogar. “Fazer o quê? Eles tinham que comer.” Segundo ele, os russos acharam o “cereal delicioso”.

Quando soube que o Exército de Vladimir Putin mirava a pequena vila onde vivia, sua reação foi “deixe eles tentarem se quiserem”. “Vieram com quatro tanques, mas nossos caras chutaram a bunda deles e eles sentiram o cheiro da pólvora”, conta à reportagem, em tom bem-humorado.

Exageros à parte, a comunidade foi mesmo retomada pelas tropas ucranianas cerca de oito meses depois, em novembro de 2022, assim como aconteceu com boa parte da região de Kherson, no centro-sul da Ucrânia.

Essa área era estratégica, entre outros motivos, porque concentra em torno de 60% da produção agrícola do país, escoada pelos portos no mar Negro. A vila de Posad-Pokrovsk teve o azar de estar no caminho para o rio que corta a região de Mikolaiv, a oeste dali, que os russos almejavam tomar.

“Foram cerca de 68 mil rodadas de bombardeio”, afirma Dmitro Butri, vice-governador de Kherson. Segundo ele, 500 mil hectares daquela região foram minados e só 40% do território foi recuperado até agora, o que prejudica radicalmente a agricultura do país. “Víamos máquinas agrícolas explodindo em pleno campo”, descreve Butri.

A reportagem visitou, ali perto, uma fábrica de enlatados que foi alvo direto de bombardeio. Um dos galpões estava sem cobertura, sobre um tapete de cacos de vidro; o outro tem o teto de aço derretido como se fosse queijo sobre a produção.

Segundo o casal dono da empresa que emprega cerca de 15 funcionários, Olha e Hennadi, apenas um quinto das fábricas dali voltaram a produzir como eles, mas em ritmo bem lento. Quando ouve uma pergunta sobre a ajuda financeira do governo, a mulher balança a cabeça em silêncio e muda de assunto.

A população do lugar conta com o governo para a reconstrução, mas esse horizonte fica cada vez mais distante, especialmente considerando que a torneira de ajuda internacional está minguando —o Congresso dos Estados Unidos, por exemplo, patina para votar um apoio de US$ 60 bilhões.

Ninguém em Kherson parece esperar que qualquer apoio se concretize logo. “Precisamos de muito dinheiro e material para o trabalho de reconstruir tudo, mas a primeira prioridade do orçamento deve ser afastar o inimigo”, diz o vice-governador Butri.

Enquanto isso, as pessoas têm que se virar como podem. “Veja nesta vila, as pessoas voltaram e refizeram suas casas. Acreditamos que a Ucrânia ainda vai vencer esta guerra”, completa o político.

As probabilidades são escassas. Ainda que as tropas de Putin tenham sido neutralizadas durante o período mais recente, estima-se que hoje elas sigam estacionadas a não mais que 30 quilômetros dali.

Mesmo assim, o fazendeiro Vassili ainda não quer saber de ir a lugar algum. “Não, e eu não estou sozinho. Tenho toda uma família aqui”, diz, acenando para os cães e gatos descansando ao seu redor.

O jornalista viajou a convite do Ministério das Relações Exteriores do Reino Unido.

Fonte: Folha de São Paulo

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