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‘Venenoso e mortal’: o inferno de viver em Nova Déli, uma das cidades mais poluídas do mundo – 13/12/2024 – Ambiente

O inverno chegou à capital da Índia, Nova Déli. Com ele, veio uma conhecida sensação de pesar.

Aqui, o céu está cinza, coberto por uma manta espessa e visível de neblina e fumaça —o smog.

Basta ficar fora de casa por alguns minutos e você quase consegue sentir o gosto da cinza. Você irá sentir falta de ar em questão de minutos, se tentar correr ou até caminhar com passos mais rápidos no smog.

Os jornais locais voltaram a usar palavras como “tóxico”, “mortal” e “venenoso” nas manchetes.

A maioria das escolas está fechada e as pessoas foram aconselhadas a permanecer dentro de casa. Mas isso é impossível para aqueles que precisam sair para trabalhar e garantir o seu sustento.

O índice de qualidade do ar de Nova Déli variou entre 1.200 e 1.500 em 18 e 19 de novembro, segundo diversas agências de monitoramento. O limite aceitável é abaixo de 100.

Estas avaliações medem os níveis de material particulado no ar —PM2,5 e PM10. Estas partículas minúsculas podem entrar nos pulmões e causar inúmeras doenças.

Nas redes sociais, as pessoas têm expressado sua comoção, angústia e descontentamento ao verem tudo isso acontecendo mais uma vez.

Além do pesar, existe uma forte sensação de déjà vu. Afinal, já presenciamos isso muitas vezes nos últimos 15 anos.

Problema sem solução

Em 2017, gravei em vídeo meu trajeto até o escritório. Naquela ocasião, o smog havia reduzido a visibilidade para menos de 2 metros. Mas, em 19 de novembro deste ano, o caminho parecia ainda pior.

Nós já cobrimos todos os aspectos desta história nas últimas duas décadas. Já informamos como a poluição está deixando as pessoas doentes e reduzindo sua expectativa de vida.

Contamos na BBC que a Suprema Corte da Índia exige ações urgentes do governo para combater a poluição todos os anos. E não foi diferente em 2024.

Informamos como as crianças são as mais prejudicadas pela poluição. Descrevemos como os políticos culpam uns aos outros pelo problema, todos os anos.

Já discutimos as principais causas do problema. Também comentamos as soluções, tanto as que funcionaram parcialmente quanto aquelas que foram completos fracassos.

Contamos como a poluição prejudica principalmente os mais pobres e quantas pessoas não têm escolha, a não ser sair para trabalhar em meio ao smog.

A cobertura jornalística faz parecer que estamos assistindo ao mesmo filme distópico todos os anos. Estamos presenciando a mesma história, com os mesmos personagens, enredos e roteiros idênticos.

E a conclusão é sempre a mesma: tudo permanece igual.

Os parques estão novamente vazios. As pessoas, principalmente as crianças e idosos, foram aconselhadas a ficar dentro de casa.

Aqueles que precisam trabalhar, como diaristas, condutores de riquixás e entregadores, continuam saindo às ruas, mesmo tossindo. Os hospitais recebem um número cada vez maior de pessoas com problemas respiratórios.

Em meio a tudo isso, voltamos mais uma vez à mesma pergunta: por que nada disso muda?

A resposta mais simples é que eliminar a poluição do ar em Nova Déli exige coordenação e esforços monumentais.

Existem várias razões para o problema. Uma delas é a prática dos agricultores de queimar os restos de produção para limpar os campos rapidamente e semear a próxima safra. Isso acontece principalmente nos Estados vizinhos de Punjab, Haryana e Uttar Pradesh.

A fumaça das queimadas envolve a capital todos os anos, no inverno. E fica suspensa na atmosfera, já que a velocidade dos ventos diminui durante os meses de frio.

Mas os agricultores não podem ser totalmente culpados pela situação. Afinal, esta é a forma mais barata de limpar os campos.

Diversos governos já prometeram o fornecimento de máquinas e incentivos financeiros para pôr fim às queimadas. Mas as ações concretas foram muito poucas.

Origem do problema

A cidade de Nova Déli também produz grande parte da sua poluição, com as emissões de gases dos veículos, das fábricas e da construção civil.

Todos os anos, durante o inverno, as pessoas se revoltam, os jornalistas produzem reportagens, os políticos culpam uns aos outros e os tribunais se enfurecem. E, no ano seguinte, tudo se repete.

Uma emergência de saúde pública como esta geraria protestos em massa na maioria dos países democráticos. Mas, aqui, a revolta se limita principalmente às redes sociais.

Ativistas afirmam que isso ocorre porque a poluição não causa problemas imediatos para a maioria das pessoas. A ingestão de altos níveis de PM2,5 faz com que a saúde se deteriore lentamente.

E um estudo publicado na revista Lancet concluiu que a poluição causou mais de 2,3 milhões de mortes prematuras na Índia em 2019.

E há também a divisão de classes. As pessoas que têm condições financeiras deixam temporariamente a capital. Outras podem comprar purificadores de ar e ainda outras podem se expressar aos quatro ventos nas redes sociais.

As demais, que não têm estas opções, simplesmente vivem suas vidas.

A angústia coletiva ainda não resultou em protestos em massa. E, como observou certa vez a Suprema Corte indiana, os políticos simplesmente “passam a bola” e esperam que a estação termine.

Especialistas afirmam que o governo federal e os diversos governos estaduais precisam esquecer a política partidária e trabalhar em conjunto para resolver o problema. Eles devem se concentrar em soluções de longo prazo.

Os cidadãos precisam cobrar os políticos e os tribunais devem aprovar imposições enérgicas meses antes do aumento da poluição.

Este ano, estamos novamente no pico da estação e foram anunciadas medidas temporárias, como a proibição do trabalho na construção civil. Mas será que estas ações podem trazer de volta o céu azul que sumiu de Nova Déli?

As evidências verificadas nos últimos anos não trazem grandes esperanças.

Este texto foi publicado originalmente aqui.

Fonte: Folha de São Paulo

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