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Velas não ardem até o fim: separações também nos ensinam – 18/09/2024 – José Manuel Diogo

“Às vezes a vida separa as pessoas para que elas entendam o quanto significam uma para a outra.”

Nunca esqueço essa frase de Sándor Márai, em “As Velas Ardem Até o Fim”, sempre que alguma ruptura se atravessa em minha vida.

Por mais que tentemos nos preparar, são os momentos de separação sempre os mais difíceis. Mesmo que a instituição do casamento tenha sido desenhada quando a esperança média de vida dos humanos era apenas de 40 anos —e hoje vivamos quase o dobro— a ruptura sempre nos deixa com um nó na garganta, um vazio no peito e uma sensação de amarga impotência.

De todas as dores que experimentamos, a dor da separação, especialmente de quem amamos, é a que mais nos marca. Mas também é a que mais ensina.

Separações deixam uma mágoa que parece não passar nunca. Expõem nossa vulnerabilidade, revelam nossas fraquezas e nos fazem questionar onde erramos, o que poderíamos ter feito diferente. E essas perguntas, embora inevitáveis, raramente trazem respostas que confortam. Porque, em muitos casos, o rompimento é simplesmente parte do ciclo natural da vida. As relações, assim como as pessoas, mudam. E, hoje, ma maioria das vezes, isso significa seguir caminhos separados.

Penso no meu pequeno filho Manuel e no impacto que a ruptura entre os seus pais inevitavelmente terá sobre ele. Em situações assim, há sempre uma dor dupla: o fim de uma relação e o peso que isso coloca sobre a criança.

Mas, por mais que doa, acredito que a separação também traz uma lição importante. Precisamos aprender a lidar com o que não pode ser controlado, a aceitar que nem tudo será como desejamos. Ensinar nossos filhos a ultrapassar esses momentos é um dos maiores legados que podemos deixar.

A dor é real. A mágoa, inevitável. Mas existe algo maior em jogo. Precisamos lembrar que, por mais difícil que seja, o fim de uma relação não é o fim da vida. E, em separações entre pais, o maior erro é usar os filhos como arma em uma batalha de ressentimentos. O direito de uma criança de ter ambos os pais presentes em sua vida é sagrado. Não podemos deixar que a mágoa tire isso dela.

O que me angustia é que, em muitas separações conflituosas, esse direito é negado. Quantas vezes, por vingança ou raiva, mães (ou até pais) afastam os filhos daquele que deveria continuar sendo uma presença constante? Isso não protege a criança, apenas perpetua o ciclo de dor. No fim, não são apenas os pais que sofrem, mas também os filhos, que crescem sem a presença de quem deveria estar ali.

Separações são inevitáveis. Mas a forma como lidamos com elas é uma escolha. O ressentimento, a raiva, a mágoa —tudo isso não pode guiar nossas decisões. Precisamos abrir espaço para o perdão, para seguir em frente. Se não por nós, pelos nossos filhos. Porque, no fim, o que realmente importa não é a separação em si, mas como conseguimos nos reerguer e reconstruir nossas vidas a partir dela.

Para quem vive uma separação, é importante lembrar: a dor pode parecer insuportável agora, mas ela não vai durar para sempre. A vida continua, ainda que em novos moldes, e sempre há a chance de recomeçar. Por nossos filhos e por nós mesmos, precisamos acreditar nisso.

Separar-se não precisa ser o fim. Pode ser, com tempo e maturidade, o começo de algo novo. Um renascimento. Porque, no fundo, a vida é assim: ela nos desafia a recomeçar, mesmo quando as lágrimas parecem infinitas. E, se soubermos lidar com a dor, ela inevitavelmente se transformará em força.

Separar-se é difícil. Mas continuar vivendo, sem a pulsão do ódio e da vingança, apesar de tudo, é ainda mais necessário. “Há coisas que só se dizem uma vez, e, depois, nunca mais”.


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Fonte: Folha de São Paulo

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