Às margens da guerra travada entre Israel e Hamas na Faixa de Gaza, um território palestino ocupado, a Cisjordânia, também vê crescer a violência desde o último 7 de outubro.
Cinco palestinos morreram por dia na região marcada por confrontos entre a população árabe e os colonos judeus desde que esta guerra teve início, informa a ONU. Há pelo 20 crianças entre os 91 mortos, segundo autoridades de saúde locais.
Governada parcialmente pela Autoridade Nacional Palestina, a região ganhou protagonismo nos históricos Acordos de Oslo que, há 30 anos, dividiram-na em três áreas administrativas diferentes.
Duas são em parte administradas pelos palestinos. A terceira, e maior, está sob comando de Israel. O acordo era transferi-la aos palestinos quando um acordo de paz definitivo fosse selado. Isso nunca ocorreu.
Essa colcha de retalhos em que se transformou a Cisjordânia, território que abriga 3 milhões de pessoas e faz fronteira com a Jordânia, vive uma disputa cada vez mais acirrada. E pode ser reconfigurada se forem bem-sucedidos os planos do governo de Binyamin Netanyahu.
Como foi a divisão dos Acordos de Oslo
Originalmente pertencente ao Império Otomano, que se desintegra em 1922, após a Primeira Guerra Mundial, a área que hoje é conhecida como Cisjordânia ficou sob o controle do regime britânico que dominou aquela região até 1948. O conjunto de terras era então conhecido como Palestina, fruto do Mandato Britânico da Palestina.
Naquele ano, Israel proclama sua independência, e logo tem início a primeira guerra árabe-israelense, durante a qual a Transjordânia (hoje, Jordânia), captura a Cisjordânia. Israel retoma o seu controle duas décadas depois, em 1967, durante a Guerra dos Seis Dias.
E, ao longo dos 56 anos que correram, mantém uma ocupação militar da área de população majoritariamente árabe. Assim, a Cisjordânia esteve no foco dos Acordos de Oslo, os controversos tratados que há 30 anos tentaram mediar a paz entre palestinos e israelenses.
Com a ideia de conduzir uma redistribuição gradual das terras —e, consequentemente, desmilitarizar aquela porção do território—, os acordos dividiram a Cisjordânia em três áreas administrativas.
A saber: a área A, que soma 18% do território, é densamente povoada e foi relegada à administração da Autoridade Nacional Palestina (hoje controlada pelo partido Fatah e por seu líder, Mahmoud Abbas); a área B, cerca de 22% do território, com administração palestina na área civil e presença israelense no setor de segurança; e a área C, com os 60% restantes da região e administrada por Tel Aviv.
Por que a área C é uma bomba-relógio
É na área C que se concentram os maiores conflitos entre palestinos e colonos de Israel. Historicamente, a ONU afirma que as políticas implementadas na região reprimem a população árabe, impedem seu desenvolvimento social e a repele. O cenário se traduz, em especial, na demolição de construções habitadas por palestinos.
A política é posta em prática por Tel Aviv sob o argumento de que não havia autorização prévia para que habitações fossem construídas em suas respectivas porções —segundo as Nações Unidas, porém, a média anual de aprovação dos pedidos para construção feitos por palestinos é de 3%.
Dados do escritório de ajuda humanitária da organização mostram que, nos últimos 15 anos, quase 8.000 construções palestinas foram demolidas em toda a Cisjordânia —conta que considera moradias, estabelecimentos comerciais e escolas. A maior parte dos casos, 96%, ocorre na área C.
Ao todo, essas demolições já forçaram mais de 10,6 mil pessoas a se deslocarem internamente na região.
Organizações de direitos humanos acusam Israel de expandir reservas naturais na área C para, sob o argumento da preservação ambiental, bloquear as áreas disponíveis para palestinos. Em maio passado, Tel Aviv demoliu uma escola local construída com o apoio da União Europeia, em 2017, no parque nacional Herodium.
A representação regional do bloco disse à época que a medida afetou o direito à educação: ao menos 60 crianças palestinas frequentariam a instituição de ensino. Calcula-se que haja 465 mil colonos judeus na Cisjordânia ocupada, uma cifra que cresce ano a ano.
Qual a posição do atual governo de Israel
Sob o governo do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu, ou Bibi, como o líder do partido Likud é comumente conhecido, Israel registrou recorde de demolições nas áreas A e B —aquelas nas quais, em teoria, prevalece a presença da Autoridade Nacional Palestina.
Somente em 2023, sob Bibi, foram demolidas 81 construções —32% do total de demolições dos últimos 15 anos e a maior cifra anual registrada ao menos desde 2009, segundo o mesmo balanço da ONU.
O alargamento dessa política para as áreas que, sob a ótica dos Acordos de Oslo, deveriam estar sob o controle da Autoridade Palestina, é o pano de fundo de uma política que o governo tem anunciado ao dizer que pretende alargar a presença de colonos judeus.
Seis meses após assumir o poder, seu governo facilitou as regras para a construção de assentamentos e pavimentou o caminho para que mais 4.000 casas de colonos fossem erguidas, mesmo sob as críticas da comunidade internacional, inclusive dos Estados Unidos.
Bibi transferiu a gestão de Israel na Cisjordânia para as mãos de um dos membros mais radicais de seu governo: o ministro das Finanças Bezalel Smotrich, líder do partido de ultradireita Sionismo Religioso, ele próprio criado em uma colônia judaica na Cisjordânia.
Segundo o jornal local Haaretz, Smotrich negocia no Knesset, o Parlamento israelense, a aprovação de uma medida que daria a Israel poderes para recusar construções também nas áreas A e B e, assim, demoli-las —portanto, uma violação dos Acordos de Oslo.
Ao celebrar a política governamental que em julho expandiu os assentamentos, ele registrou qual é seu plano para a Cisjordânia: “O boom da construção na Judéia e Samaria [nomes bíblicos da região] e em todo o nosso país continua”, escreveu no X, então Twitter.
“Continuaremos a desenvolver os assentamentos e a fortalecer o domínio israelense sobre o território.”