Na primeira boa notícia para a Ucrânia em semanas, a UE (União Europeia) aprovou nesta quinta (1º) um pacote de ajuda financeira para o país invadido pela Rússia de € 50 bilhões (R$ 267 bilhões no câmbio de hoje).
O valor deve ser liberado em etapas, começando uma parcela de € 4,5 bilhões (R$ 24 bilhões) em março. A decisão foi tomada em reunião extraordinária do Conselho Europeu. “Temos um acordo. Unidade. Todos os 27 líderes concordaram em um pacote adicional de apoio dentro do orçamento da UE”, afirmou o presidente do órgão, Charles Michel, no X.
O presidente ucraniano, Volodimir Zelenski, disse que a ajuda irá permitir estabilidade para seu país nos próximos meses. A guerra com a Rússia completará dois anos no próximo dia 24.
O momento para Kiev é crítico. No fim do ano passado, a Hungria havia vetado o acordo para a extensão da ajuda financeira ao país, alegando que ela não era prioritária. Seu premiê, Viktor Orbán, visava pressionar pela liberação de fundos da UE para seu país, congelados devido à violações dos padrões democráticos do bloco.
Considerado o mais pró-Rússia dos líderes europeus, Orbán acabou cedendo. Não se sabe ainda qual promessa recebeu, mas o relato inicial é de que o dinheiro bloqueado seguirá assim.
Na UE, as decisões de ajuda deste tipo têm de ser unânimes, mas a pressão sobre o húngaro foi grande. “Este é o momento em que o premiê Orban precisa entender que o jogo acabou. Ele precisa considerar se está dentro ou fora”, disse o premiê polonês Donald Tusk antes da primeira reunião em Bruxelas.
“Nós sabemos o que está em jogo”, escreveu depois Michel. Ele se refere ao discurso de que, sem ajuda, a Ucrânia pode acabar derrotada pelas forças de Vladimir Putin.
Na visão mais alarmista, isso seria o prenúncio de uma ação contra países do bloco, a maioria dos quais também integrante da Otan, a aliança militar liderada pelos EUA. Na realidade, esta filiação é um seguro teórico contra ataques, dado que as regras do clube ditam que todos os membros devem entrar em guerra se um dos sócios for agredido.
O anúncio da ajuda vem em hora providencial para Zelenski. Além do veto húngaro, em dezembro o Congresso americano rejeitou o pacote proposto pelo presidente Joe Biden de um auxílio de US$ 61 bilhões (R$ 302 bilhões hoje) para os ucranianos neste ano.
Isso levou a Casa Branca a anunciar, em janeiro, que acabou o dinheiro novo para Kiev, assim com a ajuda militar direta, por meio de transferência de armamentos. Esta ainda deve ocorrer pontualmente, por restos a pagar de auxílios já empenhados e retirada de fundos presidenciais, mas nada no nível anterior.
Dos R$ 1,2 trilhão em apoio militar, financeiro e humanitário registrados do início da guerra até 31 de outubro passado pelo Instituto para a Economia Mundial de Kiel (Alemanha), a UE como bloco era a maior doadora, com R$ 450 bilhões entregues.
Cerca de 90% desse valor era em recursos financeiros, não armas, assim como pacote ora aprovado. Isso é vital para a economia seguir rodando e evitar o colapso do país, mas o problema militar segue em curso —a própria UE anunciou que só conseguirá entregar metade da munição que havia prometido para Kiev até março.
Os EUA foram, até o fim de outubro, os maiores apoiadores de Kiev em termos de armamentos: 61% dos R$ 380 bilhões doados até então eram em material bélico, de munição para artilharia a mísseis. Outros países europeus também foram vitais: a Alemanha foi a segunda maior doadora militar, com R$ 90 bilhões.
Há nuances em toda essa leitura. A ajuda alemã, por vital que seja no contexto, não é considerada estrategicamente tão importante quanto a entrega, por parte de Reino Unido e França, de mísseis de cruzeiro de longo alcance e alta precisão. Essas armas têm permitido ataques como o de quarta (31) contra forças russas em Sebastopol, principal cidade da Crimeia anexada em 2014.
Zelenski tem sofrido com o pior momento da Ucrânia desde que os russos quase cercaram Kiev na abertura do conflito em 2022. Além do veto americano, que evidenciou a desconfiança de aliados ocidentais acerca do rumo da guerra, ele enfrenta uma série de dificuldades.
No campo militar, sua contraofensiva fracassou no ano passado e o país entrou no modo de “defesa ativa”, deixando a iniciativa na mão dos russos. Com o inverno europeu, grandes operações terrestres são limitadas, mas a campanha de bombardeios de Moscou foi escalada.
Para piorar, há uma crise doméstica em curso. Na segunda (29), Zelenski pediu que o chefe das Forças Armadas, general Valeri Zalujni, renunciasse ao posto. Ele se recusou, o que deverá levar à sua demissão, mas com grande desgaste político para o presidente.
Ambos os líderes vinham discordando publicamente sobre os rumos da guerra, fazendo explodir uma rivalidade que remontava a 2022, quando Zelenski animou-se com a resistência contra os russos e passou a querer influir em decisões militares nas quais inicialmente não se envolvia. Aliados do presidente creem que Zalujni, muito popular, tem pretensões políticas.