Reunidos em Bruxelas nesta quinta-feira (28), ministros do Interior dos países da União Europeia (UE) tentaram tirar do papel um aguardado pacto sobre migrações e asilo para lidar com a intensificação do fluxo de migrantes que chegam à Europa. E falharam.
De acordo com os poucos relatos feitos após o encontro, o ponto de conflito foi a Itália da primeira-ministra Giorgia Meloni, cujo governo pediu mais tempo “para um exame mais aprofundado do ponto de vista jurídico”, nas palavras do ministro Matteo Piantedosi.
Segundo os detalhes até aqui públicos da proposta de pacto redigida pela Espanha, a ideia principal do mecanismo é criar um sistema por meio do qual seja possível distribuir entre os diversos países do bloco os migrantes que chegam em especial via mar Mediterrâneo para pedir asilo, sem sobrecarregar uma ou outra nação.
Com uma agenda anti-imigração abertamente divulgada, o governo de Meloni teria discordado de um mecanismo que favorece a atuação de ONGs que trabalham no resgate de embarcações com migrantes em alto-mar, de acordo com apuração do jornal Corriere della Sera.
A versão do texto debatida pelos países-membros conta com um adendo que diz que as operações de ajuda humanitária não devem ser consideradas erradas quando não houver objetivo de desestabilizar governos. O trecho vai na contramão do que Roma tem colocado em prática.
Sob Meloni, a Itália tem dificultado o trabalho de navios de resgate no oceano. Seu governo diz que as embarcações são espécies de táxis para quem quer tentar uma vida melhor na Europa e impediu que os barcos façam mais de uma operação de resgate na mesma saída. A situação já gerou rusgas diplomáticas com a França de Emmanuel Macron.
Segundo relatos do The Guardian, também havia descontentamento por parte da Alemanha. Berlim teria criticado uma cláusula apoiada pela Itália que, segundo o governo de Olaf Scholz, permitiria a violação de padrões mínimos nos centros de detenção de migrantes.
Roma e Berlim têm discordado nessa agenda e trocado farpas. Após visitar a capital alemã nesta quarta-feira (27), o chanceler italiano, Antonio Tajani, disse a repórteres que apresentou reclamações a sua homóloga, a ministra Annalena Baerbock. Ele afirma que, naquele dia, sete navios de ONGs de resgate, alguns deles com bandeira alemã, rumavam à ilha de Lampedusa, centro de uma crise migratória.
“Não se pode financiar navios de ONG que vão buscar migrantes e depois os levam para a Itália. Os migrantes deveriam ser levados para o país correspondente a sua bandeira. Essa é a única solução possível.”
Números compartilhados pelo Acnur, o alto comissariado da ONU para refugiados, também nesta quinta, mostram que ao menos 186 mil migrantes chegaram ao sul da Europa —por Itália, Grécia, Chipre e Malta— de janeiro até aqui. Destes, 130 mil entraram pela Itália, cifra 83% maior em comparação com o mesmo período do ano anterior.
A maior parte dos migrantes parte de países como Tunísia —102 mil— e Líbia —45 mil—, nações do norte da África. Isso não significa, porém, que todos sejam cidadãos desses países, já que é comum que pessoas de outras regiões do continente migrem para o norte antes de cruzar o Mediterrâneo com destino à Europa.
Ainda de acordo com os números do Acnur, mais de 2.500 migrantes morreram ou desapareceram nessa rota desde o início deste ano. Para efeito de comparação, no mesmo período de 2022 foram cerca de 1.680 mortes ou desaparecimentos no Mediterrâneo.
“Vidas também foram perdidas em terra, longe dos olhos do público”, afirmou Ruven Menikdiwela, diretora do escritório do Acnur em Nova York. “As viagens partindo do oeste e do leste, assim como do Chifre da África até a Líbia e os pontos de partida no litoral continuam entre os trechos mais perigosos do mundo.”
“Refugiados e migrantes que viajam por terra a partir da África Subsaariana correm o risco de morrer e sofrer graves violações dos direitos humanos a cada passo”, disse ela.