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Ucrânia vive crise de confiança em guerra com a Rússia – 07/12/2023 – Ian Bremmer

Quando a Rússia deu início à invasão, em fevereiro de 2022, a coragem, a determinação e a habilidade dos combatentes ucranianos rapidamente capturaram a imaginação da Europa e dos Estados Unidos.

Quando as forças russas foram forçadas a abandonar os planos de obter uma vitória decisiva, os líderes ocidentais passaram a ajudar Kiev. Desde o início, as autoridades americanas e europeias trabalharam arduamente para evitar uma expansão da guerra que levasse a Otan a um conflito direto com a Rússia, mas a assistência militar, financeira e humanitária do Ocidente começou a fluir em volumes cada vez mais impressionantes.

Mas 21 meses de guerra deixaram claro que a Ucrânia também não pode obter uma vitória rápida. As forças russas ainda ocupam cerca de 18% do território ucraniano e, embora as ameaças a outras partes do país tenham se limitado a ataques de mísseis e drones, a contraofensiva da Ucrânia não conseguiu mudar a guerra. Na parte ocupada da Ucrânia e em Moscou, os russos tem se preparado para uma guerra de atrito em que Putin acredita que suas forças estão mais bem equipadas que as de seu rival.

Esse cenário levantou novas questões nos Estados Unidos e na Europa sobre por quanto tempo eles podem se dar ao luxo de ajudar. Embora os líderes ocidentais possam ver que Putin tem atualmente pouco incentivo para negociar com Volodimir Zelenski, eles começaram a pressionar em particular para a abertura de negociações.

Nos EUA, um número crescente de republicanos adotou as visões isolacionistas de Donald Trump, provável candidato presidencial em 2024, de que a Ucrânia está se aproveitando de autoridades ingênuas da administração de Joe Biden e de contribuintes americanos sobrecarregados.

Além disso, muitos legisladores republicanos veem a ajuda à Ucrânia como uma moeda de troca legislativa que eles podem usar para forçar os democratas a fazer concessões em outras questões. E, dado o ceticismo de Trump em relação ao valor das alianças dos EUA e da Otan, a continuação da ajuda militar e financeira à Ucrânia será um ponto de tensão nas eleições dos EUA do próximo ano.

Biden entende que os aliados dos EUA, especialmente na Europa, temem que Washington se torne novamente um parceiro de segurança e comercial pouco confiável. Ele fez da Ucrânia a base de sua política externa e prometeu insistentemente que os EUA apoiarão a Ucrânia “pelo tempo que for necessário”. Contudo, os europeus podem ver que os legisladores republicanos usarão sua estreita maioria na Câmara dos Deputados para apresentar o apoio de Biden à Ucrânia como um fracasso oneroso e que Trump representará um verdadeiro desafio eleitoral.

Washington fornece a maioria esmagadora do apoio militar à Ucrânia. Os europeus poderiam preencher algumas das lacunas criadas pela política dos EUA, mas enfrentam a oposição de alguns setores de seus próprios países para fazer mais em apoio a Kiev. E eles não têm a capacidade militar para substituir os EUA como o “arsenal da democracia” da Ucrânia.

A administração Biden e os apoiadores da Ucrânia de ambos os partidos no Congresso já forneceram a Kiev apoio suficiente para continuar a luta por mais alguns meses. Washington até enviou cerca de 2 milhões de balas e outras armas leves apreendidas em um navio iraniano. Mas, autoridades do Pentágono estão alertando que os novos suprimentos estão se esgotando.

Essa realidade forçará a Ucrânia a mudar suas táticas para uma maior cautela nos próximos meses, limitando drasticamente as perspectivas futuras da contraofensiva ainda em andamento e aumentando a dúvida, no Ocidente, de que a Ucrânia possa retomar mais de seu território. Na verdade, já não está claro se a Ucrânia pode impedir novos avanços russos até 2024, muito menos recuperar seu território perdido.

Agora, a guerra está se tornando um jogo político também na Europa. No lado financeiro, a Alemanha, maior economia da Europa e motor da ajuda da União Europeia para a Ucrânia, enfrenta desafios fiscais sérios e divisões políticas sobre questões orçamentárias dentro da coalizão governista de Olaf Scholz.

Isso, portanto, colocaria em risco o financiamento plurianual da Ucrânia pela UE. Outros governos europeus, diante do baixo crescimento e das altas taxas de juros, observam de perto. Eles se eximirão de qualquer compromisso de gastar com a guerra, que se tornou maior devido aos desafios políticos e econômicos na Alemanha.

Complicando ainda mais as coisas, a nível da UE, o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán, ameaçou novamente interromper o apoio à Ucrânia e sua proposta de adesão à UE. Embora outros países não estejam apoiando publicamente as últimas ações de Orbán, há um apoio discreto às suas exigências de maior apoio da UE à Hungria por parte de líderes políticos de países como Itália, Grécia e Eslováquia, que querem concessões nas políticas de migração da UE.

Nada disso impede a eventual candidatura da Ucrânia à adesão à UE. Contudo, diminui o ímpeto de Kiev em um momento no qual o populismo anti-imigração e euroceticismo cresce em todo o continente. Isso principalmente após recentes vitórias eleitorais de populistas na Holanda, Alemanha, Eslováquia e em outros lugares.

Para a Ucrânia, o momento de todos esses problemas é preocupante. As tensões políticas internas –especialmente entre Zelenski e o chefe militar Valeri Zalujni– estão começando a se tornar públicas. Os próprios ucranianos estão ficando cada vez mais frustrados com o impasse militar emergente em seu país, apesar de uma grande maioria ainda rejeitar concessões territoriais à Rússia.

Por enquanto, Putin está pensando no futuro, mas no qual ele acredita que pode superar o Ocidente. Essa confiança agora está em falta nos Estados Unidos, na Europa e até mesmo dentro da Ucrânia.


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Fonte: Folha de São Paulo

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