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Trump vinga excluídos da prosperidade dos EUA ao vencer – 06/11/2024 – Mundo

Quem vê por alto os indicadores gerais da economia dos Estados Unidos neste 2024 pode considerar uma tremenda injustiça a vitória do republicano Donald Trump sobre a democrata Kamala Harris, representante de um governo que deve entregar o país com taxas muito positivas.

Nos últimos meses, o país evitou o pior: um “hard landing”, ou seja, uma recessão para conter a inflação do período pós-pandemia. A transição para a normalidade de fato vem se dando de forma bastante suave e surpreendentemente boa.

Até setembro, os preços nos EUA em 12 meses apresentaram variação de 2,1% (para uma meta de inflação de 2%), e a taxa de desemprego era baixíssima, de 4,1%. Só naquele mês, foram geradas 254 mil novas vagas de trabalho.

Os principais índices do mercado de ações do país, como o S&P 500 e o Nasdaq —onde o grosso dos americanos que têm dinheiro investem— acumulam valorização superior a 30% em um ano.

Se a economia e o bolso geralmente predominam nas decisões de voto dos eleitores, por que, afinal, Trump prevaleceu nesse contexto positivo que receberá dos democratas?

Infelizmente para grande parte dos americanos, inflação na meta, desemprego baixo e índices de ações estratosféricos revelam apenas um lado do percurso da economia dos EUA nos últimos anos. O fato é que os 50% mais pobres no país estão praticamente alijados dessa aparente trajetória de sucesso.

Nesse contexto, a vitória do republicano em estados industriais considerados decadentes e vítimas da globalização, como Pensilvânia, Ohio e, provavelmente, Michigan são uma espécie de vingança de seus eleitores.

Segundo o World Income Database (WID), plataforma de dados gerida pela turma do renomado economista francês Thomas Piketty, autor do best-seller “O Capital no Século 21” (Intrínseca, 2014), a concentração de renda nos EUA seguiu firme nos últimos quatro anos, reforçando uma tendência de décadas.

O WID mostra que enquanto a renda do 1% mais rico —assim como a dos 10% no topo da pirâmide— continuou aumentando desde a primeira vitória de Trump em 2016, a metade mais pobre permaneceu estagnada.

No ano passado, enquanto os dois primeiros grupos (1% e 10% mais ricos) se apropriavam de 20,7% e 46,8% da renda, respectivamente, a metade “de baixo” ficou com apenas 13,4% do total.

No meio desses grupos, a classe média (com renda anual próxima a US$ 80 mil por ano, ou cerca de R$ 460 mil) também não teve alta significativa em seus rendimentos. O segmento inclusive encolheu de cerca de 60% do total de americanos para 50% desde os anos 1980.

A principal mensagem da obra de Piketty é que, nos países desenvolvidos, a taxa de acumulação de renda nas camadas superiores tem sido maior do que os índices de crescimento econômico. Para o francês, tal tendência seria hoje a maior ameaça à democracia —um campo fértil para candidatos populistas que prometem trazer de volta um passado glorioso, como o MAGA, “Make America Great Again”, de Trump.

A vitória do republicano, que tenderá a se mostrar ainda mais radical do que em seu primeiro mandato, porém, não coloca em risco somente a mais tradicional democracia do planeta, mas o mundo com suas propostas até aqui conhecidas.

Na campanha, Trump prometeu renovar até o final de 2025 o corte de impostos concedido aos americanos em 2017, o que aumentaria em cerca de US$ 3 trilhões o déficit fiscal do país em dez anos.

Para este ano, o Congressional Budget Office, um órgão fiscal independente, projeta déficit de 7% do PIB (Produto Interno Bruto), atingindo US$ 1,9 trilhão; e a escalada do rombo já elevou a dívida pública bruta americana para US$ 33,1 trilhões, ou 123% do PIB.

Só neste 2024, os EUA estão rolando cerca de US$ 10 trilhões de sua dívida e, para atrair compradores de seus títulos, vêm pagando juros de 4,4% ao ano em papéis de dez anos —uma enormidade para os padrões do país.

Como a taxa desses títulos serve de referência para o resto do mundo, nações endividadas como o Brasil serão obrigadas a manter juros também muito elevados para atrair investidores e rolar suas próprias dívidas.

No caso brasileiro, serão inevitáveis os impactos negativos sobre o crescimento econômico e a dinâmica do já elevado endividamento.

Fonte: Folha de São Paulo

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