Se antes parecia velada, a campanha para o Parlamento Europeu, que tem eleições em junho do ano que vem, foi deflagrada. Separadas por poucas horas e alguns quilômetros, duas cenas ocorridas no último domingo (17) simbolizam a agitação política na Itália e nos países vizinhos.
No sul, na Lampedusa, a primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, recebeu a presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, em vias de decidir se tentará um segundo mandato. No norte, na província de Bérgamo, o vice-premiê Matteo Salvini teve como hóspede, na festa de seu partido, Marine Le Pen, a principal voz de oposição na França. Ao centro dos dois encontros, um tema caro à ultradireita do continente –a migração.
O fluxo migratório com destino à União Europeia se intensificou durante os meses do verão europeu e voltou a ocupar espaço no debate político da Itália, o país mais afetado pelas embarcações clandestinas que partem do norte da África. Desde janeiro, chegaram ao país 130 mil pessoas, alta de 91% em relação ao mesmo período do ano passado.
Mesmo França e Alemanha, os países que mais recebem pedidos de asilo de refugiados, viram o assunto esquentar. Nos dois casos, os governos tentam se equilibrar entre a “solidariedade europeia” e a pressão interna de opositores contra o acolhimento de migrantes aportados na Itália. Na França, o presidente Emmanuel Macron é alvo de Le Pen. Na Alemanha, a escalada nas pesquisas do Alternativa para Alemanha (AfD) coloca em ebulição a coalizão no poder, na qual até os Verdes, moderados, defendem mais endurecimento.
No domingo de manhã, Meloni e Von der Leyen visitaram o centro de acolhimento e o cais da Lampedusa, ilha da Sicília vizinha à Tunísia que é o principal ponto de entrada de quem atravessa o mar Mediterrâneo. Ambas buscaram anunciar respostas para conter o fenômeno, como o aumento da vigilância e do prazo de detenção para o repatriamento de quem não tem direito à proteção internacional, como migrantes por motivos econômicos e climáticos.
Horas depois, Salvini e Le Pen se alternaram no palco montado em Pontida, tradicional reduto da Liga, partido do vice-premiê. “Vamos defender os portos como Salvini fez corajosamente. Quando ele estava no Ministério do Interior, toda a Europa admirava a Itália. Vamos defender o nosso povo contra a imigração organizada”, disse a francesa.
O italiano, quando foi ministro do Interior de 2018 a 2019, chegou a negar o desembarque de navios de ONGs que prestam socorro no Mediterrâneo, o que lhe custou processos judiciais. “Faço e farei tudo o que puder e o que for consentido para bloquear a invasão, usando todos os meios permitidos pela democracia”, afirmou Salvini, no domingo. Dias antes, ele e expoentes da Liga já haviam subido o tom contra a política de Meloni para a área.
Se a afinidade entre Salvini e Le Pen é algo manjado, a aproximação entre Meloni e Von der Leyen é recente e parece fortalecida, o que tem deixado a italiana em dificuldades internamente.
Eleita há um ano com toques de euroceticismo e tendo o “bloqueio naval” como uma das bandeiras, Meloni não tem conseguido mostrar resultados para seu eleitorado nessa área. Seja porque impedir o vaivém marítimo é algo de difícil execução, seja porque a premiê busca assumir, desde que chegou ao poder, uma linha moderada no campo internacional.
“A campanha para as eleições europeias começou”, diz à Folha Daniele Albertazzi, professor de política da Universidade de Surrey, no Reino Unido, especializado em direita populista europeia. “De um lado, Meloni precisa satisfazer seu eleitorado e tem um aliado de governo que já a superou à direita em questões de imigração. De outro, precisa manter a imagem de responsável e racional perante chefes de Estado e a mídia estrangeira”, afirma.
Aliados na coalizão que governa a Itália, Meloni e Salvini estão em grupos diferentes no Parlamento Europeu, cujas 720 cadeiras estarão em disputa em junho. O partido da primeira-ministra, Irmãos da Itália, faz parte dos Conservadores e Reformistas (ECR), com o espanhol Vox e o polonês Lei e Justiça. Já a Liga integra o Identidade e Democracia, com a sigla de Le Pen (Reunião Nacional) e a Alternativa para Alemanha (AfD).
Em comum, todos têm a anti-imigração e o nacionalismo entre os pilares e são forças menores em Bruxelas, mas que podem ganhar peso após a votação de junho, em um momento em que a ultradireita demonstra vigor em eleições locais e nacionais.
De olho nisso está a maior força política do Parlamento, o Partido Popular Europeu (PPE), da linha cristã-democrática. O grupo abriga os republicanos franceses, o Partido Popular espanhol e a CDU alemã, sigla de Von der Leyen.
Nos últimos meses, o PPE, na figura do eurodeputado Manfred Weber, tem buscado se aproximar de outras famílias políticas, diante da perda de votos da ala conservadora pelo continente. Uma das cortejadas é a sigla de Meloni. Além disso, desde maio, Von der Leyen já esteve ao lado da italiana, em demonstrações públicas de apoio, ao menos em três ocasiões –enchentes na Emília Romagna, assinatura do acordo com a Tunísia, para barrar embarcações ilegais de imigrantes e, agora, na Lampedusa.
“Nas últimas décadas, a Comissão Europeia se tornou sempre mais politizada. Tem sempre mais funções, que são sempre mais delicadas. Esse cargo, hoje, deve se comportar como um líder político”, diz Albertazzi.
Em teoria, o papel de Von der Leyen é o de elaborar normativas para o bloco e executar decisões do Parlamento e do conselho dos 27 países-membros. Desde 2019, porém, a alemã se tornou a face europeia mais evidente no diálogo com líderes internacionais e nas respostas da UE à pandemia e à invasão russa na Ucrânia.
A presidente da Comissão Europeia, cujo cargo não é eletivo, mas deliberado pelos países-membros após o resultado do voto para o Parlamento, ainda não revelou sua disposição para um novo mandato, mas analistas veem sua movimentação nessa direção.
“Von der Leyen precisa do apoio de Meloni se quiser ser reeleita. Até poderia conseguir sem isso, mas será mais simples se tiver um amplo apoio. Certamente ela está considerando essa possibilidade”, avalia o professor Albertazzi.