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Solução de dois Estados solidificaria golpes de Israel – 03/10/2024 – Thomas L. Friedman

Para entender por que e como o golpe devastador de Israel no Hezbollah é uma ameaça tão devastadora para o mundo do Irã, Rússia, Coreia do Norte e até mesmo China, você tem que colocá-lo no contexto da luta mais ampla que substituiu a Guerra Fria como a estrutura das relações internacionais hoje.

Após a invasão de Israel pelo Hamas em 7 de outubro, argumentei que não estávamos mais na Guerra Fria, ou no pós-Guerra Fria. Estávamos no pós-pós-Guerra Fria: uma luta entre uma “coalizão de inclusão” —países decentes, nem todos democracias, que veem seu melhor futuro entregue por uma aliança liderada pelos EUA, empurrando o mundo para uma maior integração econômica, abertura e colaboração para enfrentar os desafios globais, como as mudanças climáticas— versus uma “coalizão de resistência”, liderada pela Rússia, Irã e Coreia do Norte: regimes brutais e autoritários que usam sua oposição ao mundo de inclusão liderado pelos EUA para justificar a militarização de suas sociedades e manter um controle de ferro sobre o poder.

A China tem se mantido em dois campos porque sua economia depende do acesso à coalizão de inclusão, enquanto a liderança do regime compartilha muitos dos instintos e interesses autoritários da coalizão de resistência.

Você tem que ver as guerras na Ucrânia, na Faixa de Gaza e no Líbano no contexto dessa luta global. A Ucrânia estava tentando se juntar ao mundo da inclusão na Europa —buscando ter liberdade da órbita da Rússia e se juntando à União Europeia— e Israel e a Arábia Saudita estavam tentando expandir o mundo da inclusão no Oriente Médio normalizando as relações.

A Rússia tentou impedir a Ucrânia de se juntar ao Ocidente (UE e Otan) e o Irã, o Hamas e o Hezbollah tentaram impedir Israel de se juntar ao Oriente (laços com a Arábia Saudita). Porque se a Ucrânia se juntasse à UE, a visão inclusiva de uma Europa “inteira e livre” estaria quase completa e a cleptocracia de Vladimir Putin na Rússia quase completamente isolada.

E se Israel tivesse permissão para normalizar as relações com a Arábia Saudita, isso não só expandiria enormemente a coalizão de inclusão naquela região —uma coalizão já expandida pelos Acordos de Abraão que criaram laços entre Israel e outras nações árabes— como isolaria quase totalmente o Irã e seus representantes imprudentes do Hezbollah no Líbano, os houthis no Iêmen e as milícias xiitas pró-iranianas no Iraque, todos os quais estavam levando seus países a Estados falidos.

De fato, é difícil exagerar o quanto o Hezbollah e seu líder, Hassan Nasrallah, que foi morto por um ataque israelense na sexta-feira (27), eram detestados no Líbano e em muitas partes do mundo árabe sunita e cristão pela maneira como sequestraram o Líbano e o transformaram em uma base para o imperialismo iraniano.

Eu estava falando no fim de semana com Orit Perlov, que rastreia a mídia social árabe para o Instituto de Estudos de Segurança Nacional de Israel. Ela descreveu a enxurrada de postagens nas redes sociais de todo o Líbano e do mundo árabe celebrando a queda do Hezbollah, pedindo ao governo libanês que declarasse um cessar-fogo unilateral para que o Exército libanês pudesse tomar o controle do sul do Líbano do Hezbollah e, então, trazer tranquilidade à fronteira.

Os libaneses não querem que Beirute seja destruída como Gaza e estão realmente com medo de um retorno da guerra civil, Perlov me explicou. Nasrallah já havia arrastado os libaneses para uma guerra com Israel que eles nunca quiseram, mas o Irã ordenou.

A administração Biden-Kamala vem construindo uma rede de alianças para dar peso estratégico à coalizão de inclusão —do Japão, Coreia do Sul, Filipinas e Austrália no Extremo Oriente, passando pela Índia e Arábia Saudita, Egito, Jordânia e então pela UE e Otan.

A pedra fundamental de todo o projeto foi a proposta da equipe do presidente Joe Biden de normalizar as relações entre Israel e Arábia Saudita, o que os sauditas estão prontos para fazer, desde que Israel concorde em abrir negociações com a Autoridade Palestina na Cisjordânia sobre uma solução de dois Estados.

E aqui vem o problema.

Preste muita atenção ao discurso do primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, perante a Assembleia-Geral da ONU na sexta-feira. Ele entende muito bem a luta entre as coalizões de resistência e de inclusão das quais estou falando. Na verdade, isso foi central para seu discurso nas Nações Unidas.

Como assim? Netanyahu levantou dois mapas durante seu discurso, um era intitulado “A Bênção” e o outro “A Maldição”. “A Maldição” mostrava a Síria, o Iraque e o Irã em preto como uma coalizão de bloqueio entre o Oriente Médio e a Europa. O segundo mapa, “A Bênção”, mostrava o Oriente Médio com Israel, Arábia Saudita, Egito e Sudão em verde e uma seta vermelha de duas vias cruzando-os, como uma ponte conectando o mundo da inclusão na Ásia com o mundo da inclusão na Europa.

Mas se você olhar atentamente para o mapa da “Maldição” de Netanyahu, ele mostra Israel, mas sem fronteiras com Gaza e a Cisjordânia ocupada (como se ela já tivesse sido anexada —o objetivo desse governo israelense).

E esse é o problema. A história que Netanyahu quer contar ao mundo é que o Irã e seus representantes são o principal obstáculo ao mundo da inclusão que se estende da Europa, passando pelo Oriente Médio até a Ásia-Pacífico.

Discordo. A pedra fundamental de toda essa aliança é uma normalização saudita-israelense baseada na reconciliação entre Israel e os palestinos moderados.

Se Israel agora avançar e iniciar um diálogo sobre dois Estados para dois povos com uma Autoridade Palestina reformada, que já aceitou o tratado de paz de Oslo, esse seria o golpe diplomático que acompanharia e solidificaria o golpe militar que Israel acabou de dar contra o Hezbollah e o Hamas.

Isso isolaria totalmente as forças de resistência na região. Nada abalaria mais o Irã, o Hamas, o Hezbollah e a Rússia —e até mesmo a China.

Mas para fazer isso, Netanyahu teria de assumir um risco político ainda maior do que o risco militar que ele acabou de assumir ao matar a liderança do Hezbollah, também conhecido como “Partido de Deus”.

Netanyahu teria que romper com o “Partido de Deus” israelense —a coalizão de supremacistas e messianistas de extrema direita que querem que Israel controle permanentemente todo o território do Rio Jordão ao Mediterrâneo, sem linhas de fronteira entre eles, assim como no mapa da ONU de Netanyahu.

Esses partidos mantêm Netanyahu no poder, então ele precisaria substituí-los por partidos centristas israelenses, que eu sei que colaborariam com ele em tal movimento.

Então aí está o grande desafio do dia: a luta entre o mundo da inclusão e o mundo da resistência se resume a muitas coisas, mas nenhuma mais —hoje— do que a disposição de Netanyahu de dar continuidade ao seu golpe no “Partido de Deus” no Líbano, desferindo um golpe político semelhante no “Partido de Deus” em Israel.


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Fonte: Folha de São Paulo

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