A primeira fase da 16ª Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, convocado pelo papa Francisco para debater o futuro da Igreja Católica, chegou ao fim na noite deste sábado (28), no Vaticano, com a divulgação do documento que apresenta uma síntese do que foi discutido nas últimas três semanas. No relatório, os pontos que tiveram maior controvérsia envolvem a participação das mulheres e o acesso delas ao diaconato.
“Diferentes posições foram expressas em relação ao acesso das mulheres ao ministério diaconal. Alguns consideram que esse passo seria inaceitável, pois está em descontinuidade com a tradição. Para outros, porém, conceder às mulheres acesso ao diaconato restauraria uma prática da Igreja das origens”, diz trecho.
“Outros ainda discernem nesse passo uma resposta adequada e necessária aos sinais dos tempos, fiel à tradição e capaz de encontrar eco no coração de muitos que procuram renovada vitalidade e energia na Igreja. Alguns expressam o temor de que esse pedido seja a expressão de uma perigosa confusão antropológica, ao aceitar que a Igreja se alinhasse com o espírito da época”, finaliza o parágrafo que recebeu o maior número de votos contra, 69, de todo o documento. Ele foi aprovado, no entanto, e mantido no texto, por maioria de dois terços dos votos, com 277 a favor.
O sínodo dos bispos é uma reunião de especialistas que serve de mecanismo de consulta do papa sobre um tema específico. Os convocados têm a função de aprofundar e discernir questões e, ao final, fornecer material para que o pontífice dê diretrizes ao clero.
Em seguida, na seção de propostas, a assembleia dos bispos recomenda a continuação da investigação teológica e pastoral sobre o acesso das mulheres ao diaconato, a partir do trabalho de comissões criadas no passado pelo papa Francisco. O texto pede que os resultados dessas pesquisas já realizadas sejam tornados públicos. O parágrafo recebeu 67 votos contra e 279 a favor.
Na hierarquia católica, os diáconos ocupam o primeiro degrau, abaixo de padres e bispos. Embora tenham autorização para pronunciar sermões durante a missa e oficiar batizados, casamentos e funerais, os diáconos, hoje apenas homens, não estão autorizados a celebrar a eucaristia, ouvir a confissão ou realizar a unção dos enfermos (extrema-unção).
Tiveram direito a voto neste sábado 365 participantes, incluindo Francisco. O grupo votou pela aprovação ou não de cada parágrafo, por meio de voto secreto eletrônico. Cada trecho foi considerado aprovado quando o “sim” reuniu maioria de dois terços dos presentes. Mais de 50 mulheres puderam, pela primeira vez, votar em um sínodo. A assembleia foi encerrada por volta das 21h (16h em Brasília), com mais de uma hora de atraso.
Outra passagem que se afastou do consenso foi a que tratou do celibato do clero. “Diferentes avaliações foram expressas sobre o celibato dos padres. Todos apreciam o seu valor cheio de profecia e de testemunho de conformidade com Cristo; alguns perguntam se a sua conveniência teológica com o ministério presbiteral deve necessariamente traduzir-se numa obrigação disciplinar na Igreja latina, especialmente onde os contextos eclesiais e culturais o tornam mais difícil. Este não é um tema novo, que requer uma reflexão mais aprofundada”, diz o trecho, aprovado com 291 votos a favor e 55 votos contra.
Presente na pauta de trabalho que guiou o debate da assembleia dos bispos, o tema de como se aproximar da comunidade LGBTQIA+ ficou restrito ao capítulo destinado às questões que exigem mais discernimento.
“Algumas questões, como as relativas a identidade de gênero e orientação sexual, ao fim da vida, às situações conjugais difíceis, aos problemas éticos ligados à inteligência artificial, são controversas não só na sociedade, mas também na Igreja, porque levantam questões novas”, diz o trecho. “Às vezes, as categorias antropológicas que desenvolvemos não são suficientes para captar a complexidade dos elementos que emergem da experiência ou do conhecimento científico e requerem refinamento e estudo mais aprofundado.”
Mais adiante, o documento faz menção àqueles que se sentem marginalizados pela Igreja, devido “à sua situação conjugal”, uma referência aos divorciados em segundo casamento, e “à identidade e sexualidade”. “Na Assembleia houve um profundo sentimento de amor, misericórdia e compaixão pelas pessoas que se sentem feridas ou negligenciadas pela Igreja. (…) A Assembleia reafirma que os cristãos não podem faltar ao respeito pela dignidade de nenhuma pessoa.”
Sobre abusos cometidos por integrantes do clero, a assembleia afirma que a abertura à escuta das vítimas tornou “visíveis muitos que há muito se sentiam invisíveis”. Mas conclui: “Ainda temos um longo caminho pela frente rumo à reconciliação e à justiça, o que exige abordar as condições estruturais que permitiram tais abusos e fazer gestos concretos de penitência”.
Em outro trecho, os bispos indicam “a questão delicada da gestão dos abusos”, que os colocam em dificuldade de conciliar o papel de pai e o de juiz. “Pede-se que seja avaliada a oportunidade de confiar a tarefa judicial a outra instância, a especificar canonicamente.”
Chamada de Sínodo da Sinodalidade –a palavra vem do grego e remete a “caminhar junto”–, esta edição tem como tema “Por uma Igreja Sinodal: Comunhão, Participação e Missão”.
Diferentemente dos documentos divulgados no fim das assembleias de sínodos anteriores, o texto deste sábado não traz recomendações explícitas endereçadas ao papa. Como este sínodo foi organizado em duas assembleias, o texto de agora é um relatório dos tópicos que tiveram maior ou menor convergência nesta primeira fase. A ideia é que ele seja visto como uma indicação dos itens que precisam de mais discernimento até a assembleia conclusiva, em outubro de 2024.
Somente após a etapa do ano que vem é que um documento com recomendações deverá ser entregue ao papa, que pode decidir publicar, nos meses seguintes, uma exortação apóstolica, com diretrizes para os católicos.
Com 42 páginas, o documento de síntese é organizado em três partes, com 20 capítulos no total. Neles, são indicadas “convergências” de ideias sobre um tópico, as “questões a serem abordadas” e as “propostas”.
“Um tema que sobressaiu muito foi a participação das mulheres em diversos níveis. As mulheres são as que mais atuam na igreja e estão mais presentes nos lugares mais remotos. Foi falado de como tornar isso mais reconhecido, institucionalizado e empoderado”, disse à Folha o padre Adelson Araújo dos Santos, professor de teologia espiritual da Pontifícia Universidade Gregoriana, em Roma. Ele foi um dos brasileiros que participaram deste sínodo, como perito facilitador dos grupos.
“Foi muito falada a questão do diaconato feminino, na linha da vontade de se aprofundar isso teologicamente e canonicamente. Tem algum motivo que seja empecilho teologicamente? Tem algum motivo que seja empecilho canonicamente? Para não ficar só no achismo, eu gosto ou não gosto”, disse ele, autor do recém-lançado “Os passos espirituais do caminho sinodal: encontrar, escutar, discernir” (Edições Loyola).
Desde o início de outubro, 464 pessoas dos cinco continentes estiveram reunidas no Vaticano para discutir as prioridades indicadas por fiéis durante um processo de consulta que teve início em outubro de 2021, nas dioceses, e durou quase dois anos, após passar pelas conferências episcopais e culminar na assembleia de bispos. O grupo é composto, além de bispos, por cardeais, religiosos de outros graus hierárquicos e leigos.
Considerado o mais ambicioso processo de escuta da história recente do catolicismo, este sínodo é visto pela ala mais progressista da igreja como um caminho para reformas, ao mesmo tempo em que os conservadores o consideram uma fonte de divisões, especialmente pelo método, de ampla escuta, inclusive de católicos leigos.