Olaf Scholz se submete nesta segunda-feira (16) a um voto de confiança no Parlamento alemão. Seu objetivo é não alcançar os 367 votos necessários e perder a votação. Só assim dará início ao processo de uma eleição antecipada, que já tem até data, 23 de fevereiro de 2025. O social-democrata tem baixa aprovação e não está entre os favoritos, mas parece confiar na fama de azarão.
Há três anos, quando a Alemanha se despedia do quarto mandato de Angela Merkel, Scholz, 66, também não era a primeira nem a segunda opção dos eleitores, mas obteve com o SPD a maior bancada e se credenciou ao posto. Viabilizou-se no cargo, porém, com uma exótica coalizão de três partidos, que teve seus momentos, mas fez água no mês passado, com danos à popularidade do premiê.
Segundo as últimas pesquisas, apenas 26% dos alemães têm confiança em Scholz, enquanto 63% dizem o contrário; 24% se dizem satisfeitos com o governo, contra 66% de insatisfeitos. O cenário parece desestimulante para uma nova tentativa, mas o sistema parlamentarista e um favorito sem maioria projetada no Bundestag contam outra história.
Friedrich Merz, 69, candidato da CDU, lidera as pesquisas desde antes do colapso do atual governo. Superado no início da carreira partidária por Merkel, saiu da política, ficou milionário no mercado financeiro e só voltou à atividade no ocaso da premiê, tornando-se rapidamente a figura de proa da sigla conservadora.
Crítico a Scholz e com posições duras em relação a tópicos de apelo popular como imigração e guerra da Ucrânia, Merz e a CDU obteriam hoje 31% das cadeiras no Parlamento, contra 17% de SPD e Scholz. Fosse a eleição direta, 21% elegeriam o conservador, contra 16% que manteriam o social-democrata.
Ainda que subjetiva, a consulta mostra que a CDU carrega Merz, mais do que o contrário. É uma situação única, como mostram os números de outros candidatos: Robert Habeck obteria 13%, contra 11% dos Verdes no Parlamento, e Alice Weidel, 21%, contra 20% da AfD, a ascendente legenda de extrema direita.
A Alternativa para Alemanha dobrar de tamanho é uma das certezas desta eleição, mas a sigla ainda não conseguiria se impor aos outros partidos. Merz admite até uma improvável aliança com os Verdes, mas descarta qualquer tipo de relacionamento com a AfD. Há inclusive uma polêmica proposta parlamentar de banir o partido, por sua proximidade com neonazistas, porém de difícil viabilização.
Como outros conservadores na Europa, Merz modula o discurso para buscar os eleitores que buscam abrigo na direita radical. Neste fim de semana, um rascunho do programa de governo da CDU vazou para jornais econômicos europeus, como Financial Times e Frankfurt Allgemeine Zeitung. Em meio ao corolário habitual, como corte de impostos e fim da burocracia estatal, o partido carrega na tinta em trechos como controle de imigrantes e o fim de benefícios sociais para quem rejeita ofertas de trabalho.
Como ocorre na maioria das ofertas populistas, não há muita explicação de onde sai o dinheiro. Inclusive o chamado “freio da dívida”, a versão local para o teto de gastos, cuja discussão sobre relaxamento motivou a ruptura da coalizão de Scholz, é mantido com uma frase de efeito: “Os débitos de hoje são os impostos de amanhã”.
Scholz, parte da oposição, sindicatos e empresas pedem alteração da legislação, elaborada pela gestão Merkel para fazer frente à crise de 2008. O país tem um teto de incremento da dívida, 0,35% do PIB corrente, o que muitos veem como austeridade excessiva em um momento em que a Alemanha precisa de investimentos. Dias antes do programa da CDU vazar, até Merz admitiu em entrevista que o dispositivo mereceria discussão.
Na semana passada, o Banco Central alemão alertou que o país, em 2025, pode ultrapassar a barreira de 3 milhões de desempregados pela primeira vez em 14 anos. “E não estamos nem na metade do ajuste necessário”, declarou Robin Winkler, economista-chefe do Deutsche Bank, ao Financial Times.
Na maior empresa do país, a Volkswagen, trabalhadores travam uma disputa inédita com a direção da empresa, que quer cortar postos de trabalho e fechar ao menos 3 das 10 fábricas da marca na Alemanha. O episódio ilustra bem um cenário que analistas já veem como sinal de desindustrialização, algo antes impensável para a maior exportadora da Europa.
Há alguns dias, Scholz apareceu de surpresa em uma unidade de carros elétricos da Ford, em Colônia. Sua presença foi importante para os trabalhadores, colocados em lay off e prestes a perderem 2.900 vagas, um terço do total da fábrica. O primeiro-ministro prometeu trabalhar para a volta de subsídios à eletrificação na Europa.
Foi um gesto significativo, mas nem Scholz nem o SPD tem proposta que faça frente ao tamanho problema. Nenhum dos candidatos parece ter uma.
COMO FUNCIONA A ELEIÇÃO
Moções de confiança ou censura são instrumentos típicos do sistema parlamentarista. São meios que permitem ao primeiro-ministro e ou ao Parlamento atestarem o apoio ao governo.
A derrota do mandatário antecipa as eleições parlamentares. O partido que obtiver o maior número de assentos indicará o novo premiê, que, a depender do resultado eleitoral, será obrigado ou não a costurar coalizões para poder ter maioria parlamentar e governar.
Segundo as pesquisas, qualquer sigla que vencer na Alemanha em 23 de fevereiro terá que propor uma coalizão. A mais provável de ocorrer, neste momento, seria composta pela CUD de Friedrich Merz e o SPD de Olaf Scholz. O conservador seria o primeiro-ministro, mas Scholz já disse que não aceitaria ser vice, como foi de Angela Merkel por vários anos.
A moção de confiança, também chamado de voto de confiança, já ocorreu cinco vezes na história da República Federal da Alemanha: Willy Brandt (SPD, 1972), Helmut Schmidt (SPD, 1982), Helmut Kohl (CDU, 1982) e Gerhard Schröder (SPD, 2001 e 2005) se submeteram ao escrutínio. Brandt, Kohl e Schröder, na primeira vez que tentou, alcançaram a reeleição.