Se o presidente Joe Biden deu atenção tímida às relações com a América Latina, a expectativa de aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é que isso mude na segundo mandato de Donald Trump, caso Marco Rubio seja confirmado no cargo de secretário de Estado.
Três integrantes do governo brasileiro ligados ao Itamaraty dizem que a palavra-chave é cautela em relação à política externa americana para esperar os sinais que Rubio dará, se nomeado. Ponderam que será preciso ver o nível de autonomia que Trump dará ao aliado, mas apontam ao menos dois aspectos que devem ganhar peso na gestão republicana.
De um lado, a escolha do senador da Flórida indica que o presidente pretende levar a cabo uma política ainda mais agressiva em relação à China, devido ao aspecto linha-dura que o parlamentar adota com Pequim. De outro, há uma constatação que a América Latina pode receber uma atenção maior da gestão trumpista em comparação como a que teve em outros momentos, algo que não era esperado.
“Ele vê o mundo por lentes ideológicas, mais do que o Trump. E acho que ele terá uma postura ideológica em relação a governos de esquerda da América Latina, como Cuba, Venezuela e Nicarágua“, avalia Michael Shifter, professor da Universidade Georgetown.
Isso se deve ao perfil de Rubio, filho de imigrantes cubanos que acumula declarações críticas ao regime de Havana e Caracas. A questão é se o senador —que já trocou farpas com Trump, mas hoje é um fiel aliado— poderá se dedicar à América Latina se assumir a política externa dos EUA num momento em que há guerras no Oriente Médio e no Leste Europeu, além da disputa comercial e geopolítica com a China.
O senador já foi um grande crítico de Vladimir Putin. Nesta seara, porém, aliados apontam a jornais americanos que ele deverá se alinhar ao que Trump propuser. Ao longo da campanha, o republicano disse que pretende acabar com a guerra entre Rússia e Ucrânia em 24 horas —sem detalhar como faria isso.
A postura que o governo adotará sobre o Oriente Médio também é alvo de dúvidas. O que já se sabe é que Rubio é um crítico do Irã, e há o receio, na visão de um diplomata brasileiro, de que ele possa incendiar ainda mais a guerra na região.
O secretário de Estado americano tem o papel semelhante ao do ministro das Relações Exteriores do Brasil. Jornais americanos apontam que Trump escolheu Rubio para a função, mas ponderam que, como o republicano é imprevisível, ele ainda pode mudar de ideia.
Apesar de declarações de Rubio indicarem a tendência de o senador adotar uma postura isolacionista e conservadora —e dele já ter elogiado publicamente Jair Bolsonaro (PL), tanto no Palácio do Planalto como no Itamaraty— a conduta prevista é de prudência.
Shifter, da Universidade Georgetown, não descarta a possibilidade de que o Rubio atrapalhe o Brasil se tentar dificultar negócios com a China por parte de países que queiram se aproximar dos EUA.
A Folha conversou com três integrantes do governo brasileiro ligados ao Itamaraty. A avaliação inicial é a de que é preciso aguardar as declarações públicas de Rubio sobre suas pretensões. Esse cuidado tem a ver com a preocupação da gestão Lula de manter uma relação chamada de profissional com os republicanos.
Não está no radar nem do Palácio do Planalto nem da chancelaria a criação de atritos com Trump ou sua equipe. A ideia é, na medida do possível, manter uma boa relação com a maior economia do mundo.
Um membro do governo brasileiro argumenta que, por mais que Trump seja conservador e um apoiador de Bolsonaro, ele nunca atacou Lula ou o Brasil diretamente. Essa situação é diferente da relação com Javier Milei, que chamou o petista de ladrão.
Para outro integrante do Itamaraty, apesar da expectativa de que Rubio dê maior atenção à América Latina, isso não significa uma dedicação às questões do Brasil necessariamente. Na região, os focos devem ser Cuba e Venezuela.
Em relação a Havana, há o temor de que os EUA aumentem a política de pressão máxima e ampliem as sanções ao país, já alvo de embargo americano. Já em Caracas, Rubio poderia impedir qualquer negociação mais construtiva pró-Nicolás Maduro e reconhecer como o governo a oposição do país.
Para o professor Shifter, a maneira como o governo Trump lidará com a Venezuela será um primeiro teste para entender para onde vai a política externa. “Está claro que ele [Trump] vai priorizar a guerra e a competição global, mas a América Latina tem sido um assunto secundário, e isso mudará para ocupar um lugar muito mais alto na agenda do que em governos anteriores”, diz.
“Rubio é ideológico, e Trump é pragmático. A grande questão é quanta margem de manobra Rubio terá. Acho que isso dependerá de qual país e qual o assunto.”
A expectativa é que Rubio tenha mais autonomia do que teve Rex Tillerson, secretário de Estado por um ano no primeiro mandato de Trump, por ser senador. Na avaliação de aliados do presidente eleito, Tillerson tentava podar as ideias do republicano na seara internacional e acabou demitido e substituído por Mike Pompeo, que ficou até o fim.