Você usa inteligência artificial? Eu uso. Em tudo. Tendo acesso seria estúpido não usar. Mas então por que é que ninguém quer responder à pergunta?
Hoje a IA permeia quase todos os aspectos de nossas vidas, desde recomendações de produtos até diagnósticos médicos avançados, mas preferimos não falar disso. Antes nos comportamos como se “ela” fosse parte de um segredo ou nos inspirasse vergonha.
As razões pelas quais isso acontece estão inscritas na verdadeira essência do ser humano, que normalmente esconde o seu comportamento quando desconhece como o “outro” vai reagir. Em questões que acarretam implicações éticas ou morais, como acontece com o uso da IA, isso é natural.
A nossa lógica ética herdada da Contrarreforma, em sociedades como a nossa— onde a culpa sempre se sobrepõe ao mérito e ao prazer—, explica essa opção pelo fingimento.
Só que a IA não é apenas mais uma coisa inscrita na lista dos pecados capitais, que aumenta nossa gula ou exacerba nossa vaidade; ela impacta diretamente as relações sociais da vida cotidiana, criando um diferencial gigante de produtividade entre quem usa e quem não usa —e precisamente por isso, precisa ser assumida e explicada em vez de escondida.
É nesse sentido, invocando a promoção da transparência e a salvaguarda da democracia —antecipando a eleição do final do ano, e como já aconteceu anteriormente— que a Justiça novamente se antecipa à política, à academia e à mídia, tomando a liderança da regulação.
Mas, ao aprovar uma resolução que determina que “o uso da inteligência artificial só pode ser usado em campanhas com o aviso de que o conteúdo foi feito com recurso a ela”, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) levanta questões muito sérias.
Sendo unânime que proibir deepfakes é uma necessidade, tornar obrigatório revelar que se usa inteligência artificial na geração de conteúdos —quando hoje provavelmente todos os que geram conteúdos, em um ou outro momento do processo, já a usam— abre uma caixa de Pandora.
Quem usa a IA para produzir conteúdos —eu uso, tu usas, ele usa, nós usamos, vós usais, eles usam; não vale a pena mentir!— sabe que hoje o produto final incorpora elementos que, voluntária ou involuntariamente, resultam dela. Sabe também que todo o conteúdo gerado pode cair debaixo só rótulo de “conteúdo sintético”.
Por isso, essa boa e meritória ideia, identificar o uso de IA, está irremediavelmente comprometida. Primeiro, por razões de ordem técnica, porque é impossível comprovar que, por exemplo, esta coluna, não incorpora nenhum elemento de IA. Mas, sobretudo por razões de ordem prática; se hoje tudo é feito com algum recurso a IA, que sentido faz o rótulo?
O medo da desumanização, a dependência crescente, a necessidade de transparência em questões éticas e morais —questões apontadas à necessidade de regulação da IA— sempre se colocaram ao longo da história e, sobretudo, sempre foram elementos de dominação e poder.
É muito mais importante garantir que todos tenham acesso a IA do que apontar —ou culpabilizar, como o ser humano tanto gosta se fazer— aqueles que a usam.
Por isso a pergunta “você usa inteligência artificial?” está errada. A certa é: “Por que você não usa?”
Ao logo da história sempre tem alguém querendo “desinventar” a roda.
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