Cidadãos cubanos estão sendo convidados a viajar para a Rússia, mas acabam sendo obrigados a lutar na Ucrânia. A denúncia foi feita esta semana pelo regime cubano, que alegou ter desmantelado uma quadrilha de tráfico de pessoas dedicada a levar cubanos à Rússia para forçá-los a atuar como soldados na Guerra da Ucrânia.
“O Ministério do Interior detectou e está trabalhando para neutralizar e desmantelar uma rede de tráfico de humanos que opera a partir da Rússia para incorporar cidadãos cubanos que ali vivem, e mesmo alguns de Cuba, nas forças militares que participam em operações de guerra na Ucrânia”, afirmou o Ministério das Relações Exteriores de Cuba.
O regime indicou que não promove a participação de cubanos em ações militares no conflito entre a Ucrânia e a Rússia. “Cuba não faz parte do conflito de guerra na Ucrânia. Está agindo e atuará com vigor contra qualquer pessoa, do território nacional, que participe em qualquer forma de tráfico de pessoas para fins de recrutamento ou mercenarismo para que os cidadãos cubanos utilizem armas contra qualquer país”, acrescenta a nota.
A declaração de Havana foi emitida depois que vários jovens cubanos denunciaram nas redes sociais que foram enganados e levados à Rússia para participarem do conflito. As denúncias, publicadas em diversos meios de comunicação locais e internacionais, estavam relacionadas a vídeos realizados pelos jovens Andorf Velázquez García e Alex Vegas Díaz.
Os jovens relataram que foram levados de Cuba para a Rússia com a promessa de trabalhar como pedreiros, mas uma vez lá foram levados para áreas de recrutamento militar. “Nos fizeram assinar alguns documentos e prometeram salário e comida em troca de um emprego, mas a verdade é que nos levaram para trabalhar na zona de guerra”, disse Velázquez à rede de televisão América TeVe. “Estamos numa cidade que não conhecemos, numa situação em que não queremos estar”.
A BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, contatou Mario Velázquez, pai de Andorf Velázquez que mora no México, mas ele não quis dar entrevista.
Até o momento não há informações oficiais do Kremlin sobre a presença de soldados cubanos em suas tropas, mas no mês de maio soube-se que vários cubanos residentes na Rússia tinham se alistado no Exército russo.
Moscou ofereceu cidadania aos estrangeiros que se alistassem e às suas famílias. Como a Rússia não exige visto de turista para a entrada de cubanos, há uma comunidade crescente no país. Em 2019, entraram 28 mil cubanos no país, embora não se saiba quantos deles estão permanentemente em solo russo.
De pedreiros a soldados
Em maio, o portal de notícias russo Ryazan Gazette informou que os cubanos estavam combatendo em território ucraniano. Segundo a imprensa russa, os cubanos iriam receber um pagamento único do Kremlin e da província de Riazan, onde estavam os soldados, de cerca de US$ 5 mil. Riazan está localizada a cerca de 230 quilômetros ao sul de Moscou e várias bases militares operam lá.
No início desse mês, o presidente russo, Vladimir Putin, emitiu um decreto que concede rapidamente a cidadania a estrangeiros que participem da campanha militar na Ucrânia.
O dispositivo presidencial estabelece que para adquirir a cidadania russa por via expressa os estrangeiros devem assinar um contrato de prestação de serviço militar por um ano. Mas as denúncias feitas pelos jovens ganharam mais destaque nos últimos dias, sobretudo porque elas apontam que foram levados para a Rússia acreditando em mentiras. Velázquez destacou que, assim que chegaram à Rússia, foram submetidos a exames médicos para serem levados ao regimento militar.
No entanto, como disseram seus familiares a diversos meios de comunicação, o jovem só não foi recrutado porque só possui um rim. Outros cubanos que acompanharam Velázquez na viagem, mas que não revelaram a sua identidade, disseram que foram enganados.
Seus contratos eram para trabalhar na remoção de escombros em cidades russas afetadas pela guerra, mas eles acabaram recrutados para o Exército. Eles dizem que havia cerca de 18 cubanos na mesma situação.
Familiares dos jovens cubanos indicaram que duas mulheres, uma delas de nacionalidade russa, convenceram os jovens a assinar o contrato, que não estava escrito em espanhol, e depois os obrigaram a viajar.
“A mulher nunca realmente explicou o que seria o trabalho, e agora meu sobrinho não sabe o que fazer em uma cidade onde não conhece ninguém e onde não se fala a língua dele”, disse Mayein Leyva, tia de Velázquez. “Meu filho foi enganado como muitos outros jovens que foram enviados pelo governo para a guerra”, disse Mario Velázquez em 26 de agosto em sua página no Facebook.
Mercenários lutando pela Rússia
Este não é o primeiro caso conhecido de tentativa de recrutar combatentes estrangeiros para ajudar o Exército russo na sua campanha na Ucrânia. Além do conhecido Grupo Wagner, que opera na Rússia como força paramilitar em algumas zonas da Ucrânia e em outras partes do mundo, também foi detectada a presença de unidades com soldados de outros países. Há também muitos soldados estrangeiros que lutam voluntariamente por Kiev.
De acordo com uma reportagem do serviço russo da BBC, no ano passado descobriu-se que o Kremlin, por meio do Grupo Wagner, estava recrutando sírios para lutarem na Ucrânia. Dezenas de pessoas em toda a Síria, país que é devastado por guerra civil, manifestaram interesse em lutar do lado russo, informou a BBC Rússia.
Segundo o Instituto Americano para o Estudo da Guerra (ISW), em março de 2022 o Kremlin tinha intenção de receber “16 mil combatentes do Oriente Médio” na Ucrânia. Em junho, foi noticiada a morte de um cidadão iraquiano que lutou como integrante do Grupo Wagner na Ucrânia.
Até agora não se sabe se cidadãos de outros países latino-americanos foram recrutados para fazer parte da invasão russa da Ucrânia.
No campo diplomático da América Latina, Moscou sempre identificou Cuba como “o seu grande aliado na região”. No entanto, o regime de Havana tem sido mais cauteloso na forma como se refere à Rússia, principalmente em se tratando sobre o conflito com a Ucrânia. Nas diferentes sessões da ONU onde o tema foi discutido, por exemplo, Cuba se absteve de manifestar a sua posição.
Este texto foi publicado originalmente aqui.