Pouca gente conhece tão bem os meandros da política argentina como Sergio Massa. Quase metade dos seus 51 anos foi vivida dentro de prédios e gabinetes públicos, onde o hoje ministro de uma economia em crise mantém um punhado de canais ligados constantemente para acompanhar as notícias, não raro enquanto fuma um cigarro.
“Você está falando com ele aqui, ele está respondendo mensagem no celular e olhando a televisão ali. Pode até parecer falta de educação, mas se você pergunta, ele vai repetir tudo que você falou”, diz Gustavo “Tano” Menéndez, peronista e prefeito da cidade de Merlo, nos arredores de Buenos Aires, que conhece há quase 30 anos o homem que pode se tornar presidente do país no próximo dia 19.
Hiperativo, inteligente e inventivo são alguns dos adjetivos que o político usa para descrever o Massa de 20 e poucos anos que lhe telefonou um dia, na década de 1990, para articular um grupo de militância jovem na província. Na época, o presidenciável era coordenador da campanha de Palito Ortega, popular cantor e então candidato a vice-presidente pelo peronismo.
O que mudou de lá para cá? “Todos temos anjos e demônios. Sergio aprendeu a controlar os dele”, diz Menéndez, desviando da pergunta sobre quais seriam os tais demônios.
Outros tratam o candidato do peronismo pelo apelido de “carioca”, descrevendo-o como alguém que “sempre vê o copo meio cheio” e se adapta rápido às adversidades. Na política argentina, esse traço pode ter um nome pejorativo: “panqueca”, ou seja, aquele que está sempre mudando de lado.
Essa é a visão do jornalista Christian Sanz, diretor do Diario Mendoza Today. Ele acompanha a trajetória de Massa há dez anos. “Ele não tem ideologia, é um homem pragmático, que se move somente por suas ambições, o que é perigoso. Não se importa se o veem como de direita ou esquerda, ele vai se movimentando conforme o vento.”
A fama de volátil de Massa se consolidou nos últimos 15 anos, com suas idas e voltas do kirchnerismo. Depois de ocupar um dos cargos estatais mais importantes na gestão Néstor Kirchner —o de diretor da agência Anses—, que controla aposentadorias e pensões, Massa chegou à posição de chefe de gabinete de Cristina Kirchner, substituindo seu atual chefe, o presidente Alberto Fernández.
A boa relação com os “K” duraria até 2013, quando ele rompe com a dupla, junta-se ao chamado “grupo dos oito”, formado por prefeitos —nessa época, ele administrava a cidade de Tigre— e funda o partido Frente Renovadora, pelo qual ganhou sua primeira eleição a deputado nacional. É então que ele cunha a expressão “larga avenida do meio”, traduzindo sua intenção de formar uma maioria ampla sem distinção de ideologias, mas com coração peronista.
Tenta a Presidência como terceira via em 2015, mas fracassa e fica em terceiro lugar, com 21% dos votos, atrás de Daniel Scioli e do candidato eleito, Mauricio Macri. O “plot twist” ocorre nas eleições seguintes, em 2019, quando ele volta à coalizão de Cristina, mas desta vez na condição de um dos líderes do tripé, pelo Frente Renovadora.
A articulação para que isso ocorresse começou dois anos antes, quando o colega Menéndez foi até sua casa de veraneio em Pinamar, a quatro horas da capital. “Decidimos chamá-lo de volta porque Macri estava fazendo um desastre no país. Ele me disse: ‘Ok, nos juntamos, mas por quê? Precisa ter um motivo e ser no momento certo, não podemos só nos amontoar’. Ele tem uma visão de política muito ampla”, diz.
Hoje, com a popularidade do kirchnerismo em baixa, o candidato já tenta novamente se distanciar da vice-presidente ao dizer que ela não fará parte de um eventual governo seu. “Massa é um dos políticos mais hábeis que existem na Argentina atualmente. Ele fala como se fosse de fora do governo, e as pessoas acreditam”, diz o jornalista Sanz.
De fato, com uma inflação de quase 140% ao ano e a pobreza em alta, pode ser difícil entender como justamente o ministro da Economia do país tem chances de vencer as eleições.
Mas analistas apontam que ele assumiu a pasta num momento turbulento, em 2022, e conseguiu estabilizar a situação de curto prazo, o que fez sua figura não ser tão atrelada às causas da crise. Também se posiciona mais ao centro do que à esquerda, com forte relação com empresários.
Por último, além de ter como respaldo a máquina peronista, compete num país em constante crise econômica, em que o ministro da área muitas vezes tem mais destaque que o próprio presidente.
Apesar da ampla experiência política, Massa ainda é relativamente jovem, e caso seja eleito no próximo domingo (19), será o presidente mais novo do país nos últimos 40 anos de democracia.
Ele começou ainda adolescente, militando no partido liberal União do Centro Democrático (Ucede) enquanto trabalhava na loja de materiais de construção de seu pai, que migrou da Itália para a Argentina no pós-guerra junto com sua mãe. Estudou direito na Universidade de Belgrano, em Buenos Aires, mas só completaria o curso em 2013, em meio à campanha a deputado.
Respirando política, só poderia casar-se com alguém do mesmo mundo: Malena Galmarini, com quem tem dois filhos. Criada em uma família de políticos, ela foi eleita deputada da província de Buenos Aires, mas deixou o cargo para presidir a empresa estatal de água e saneamento argentina nos últimos quatro anos.
O jornalista Christian Sanz questiona a origem de um apartamento da família em Miami. Denunciou Massa por enriquecimento ilícito e lavagem de dinheiro no ano passado e, no livro “Massa Confidencial”, publicado de maneira independente, retrata-o como um homem ambicioso e perigoso.
Ao ouvir as acusações, o amigo e prefeito Menéndez dá de ombros: “Já investigaram a vida inteira dele e não acharam nada.”