Vladimir Putin concorrerá à reeleição em maio de 2024. O líder russo mencionou essa decisão de maneira discreta. Em meados de dezembro, durante uma cerimônia em homenagem a soldados, ele confirmou o que todos já esperavam: vai se candidatar pela quinta vez à Presidência da Rússia.
Contudo, outro anúncio feito algumas semanas antes foi, de fato, completamente surpreendente. Uma jornalista de uma emissora de televisão de Rjev –uma cidade de 60 mil habitantes a oeste de Moscou– quer concorrer ao Kremlin contra o longevo líder do país.
Ekaterina Duntsova tem 40 anos e é mãe solo de três filhos. “Hoje a situação na Rússia é assim: qualquer um que queira representar os cidadãos com visões democráticas nas próximas eleições ou está na prisão, ou tem seus direitos restritos e é processado na Justiça, ou é forçado ao exílio”, contou. Ela deseja se colocar como uma alternativa real. “Por que não uma mulher como presidente, como símbolo de moderação, gentileza e sensibilidade?”, questionou, em entrevista à DW.
“Marionete do Kremlin” ou candidata sincera?
Mas ainda há um longo caminho até a candidatura. Putin foi nomeado candidato pelo partido nacionalista-conservador Rússia Unida. Duntsova ainda não conta com a indicação de um partido. Para que sua candidatura possa ser oficialmente registrada, ela precisa coletar 300 mil assinaturas de apoiadores até 31 de janeiro de 2024. Essa não é uma tarefa fácil para uma mulher que até o momento apenas atuou na política local.
Ao anunciar seu plano, Duntsova logo deixou clara sua posição sobre a “operação militar especial” da Rússia na Ucrânia –termo utilizado pelo Kremlin para se referir à invasão ao país vizinho. Ela se pronuncia em defesa da paz, mas evita descrever o conflito na Ucrânia como uma guerra.
Ela mede cuidadosamente cada declaração, de modo a não violar a lei russa que pune quem “desacreditar o Exército”, o que poderia render uma longa pena de prisão. Até o momento, ela disse não ter sentido nenhuma consequência.
Contudo, é exatamente isso que gerou suspeitas em alguns de seus críticos, que desconfiam que ela possa ser uma candidata “spoiler” do Kremlin –nome dado a candidaturas falsas lançadas com o aval de Putin para fazer com que a campanha eleitoral tenha a aparência de uma competição real.
Entretanto, Abbas Galiamov, ex-redator de discursos de Putin que rompeu com o presidente em 2010, diz não ver “motivo para acreditar que Duntsova não esteja agindo de maneira sincera”.
“Ela tem boa reputação como uma pessoa comprometida com ideias sinceras. Duntsova é considerada uma pessoa que luta por seus ideais e não se envolve em políticas oportunistas”, disse o analista político, que vive atualmente no exílio.
Início turbulento
A jovem política já topou com alguns obstáculos em seu caminho. Minutos após Duntsova pedir publicamente apoio financeiro para sua campanha por meio das redes sociais, seu banco informou que sua conta estava bloqueada para depósitos, segundo ela própria contou em seu canal no Telegram.
Não foram somente os cerca de 700 apoiadores que estiveram no evento de sua indicação em 17 de dezembro, a polícia também estava presente. “Repentinamente, a energia foi desligada”, escreveu Duntsova no Telegram. “Nós organizamos imediatamente uma fonte de energia de emergência utilizando um gerador”. Depois disso, o moderador do evento tomou o microfone de suas mãos e pediu aos presentes que não fizessem “perguntas políticas”.
“Haverá provavelmente outros pequenos apagões”, diz a batalhadora de 40 anos. “Mas vamos superá-los juntos”.
Dilema no Kremlin: permitir ou proibir?
Mesmo como uma oponente legítima, Ekaterina Duntsova pode acabar sendo usada pelo Kremlin para seus próprios objetivos ou simplesmente ignorada. Abbas Galiamov enxerga dois possíveis cenários.
No primeiro, o Kremlin permite que Duntsova colete as assinaturas necessárias e se registre oficialmente, o que pode ser usado para dar legitimidade à vitória de Putin e, acima de tudo, à guerra na Ucrânia. Se o líder do Kremlin supostamente ganhar fácil contra uma candidata contrária à guerra, ele poderia explorar isso em sua propaganda política.
No segundo cenário, o Kremlin não deixaria Duntsova concorrer à Presidência. “O risco de que ela receba um grande apoio e uma grande quantidade de votos é bastante significativo”, aponta Galiamov. “Especialmente se a situação nas frentes de batalha se deteriorar durante a campanha eleitoral, o que não pode ser descartado”. O analista acredita que, nesse caso, os eleitores que optarem pelo voto de protesto estariam propensos a votarem nela. Talvez ela possa até atingir um nível respeitável de sucesso no pleito, e é improvável que o Kremlin queira arriscar isso.
Alto risco pessoal
Ekaterina Duntsova está ciente de que pode ser perigoso desafiar Putin. Ela também sabe que os principais críticos do presidente –Alexei Navalni, Ilia Iachin e Vladimir Kara-Mursa– foram condenados a longas penas de prisão.
A jovem política, no entanto, mantém-se esperançosa. “O panorama talvez não seja dos melhores. Todos nós já vimos o que acontece com aqueles que querem tornar conhecidas as suas posições, de um jeito ou de outro. Eles são classificados como agentes estrangeiros ou processados. Mas eu quero acreditar no melhor resultado possível”, afirmou à DW.
Em seu canal no Telegram, ela explica os motivos pelos quais decidiu entrar na disputa pela Presidência. “Porque amo meu país, porque quero que a Rússia seja um Estado democrático, próspero e pacífico. Porque, neste momento, nosso país caminha em uma direção completamente diferente, para longe dos direitos e liberdades, longe da paz e do amor, longe de um belo futuro”.