Vladimir Putin afastou do centro de decisões do governo Nikolai Patruchev, o homem que desde a ascensão do presidente russo ao poder simbolizava a influência da linha dura ligada aos serviços de espionagem no Kremlin.
Em comunicado nesta terça-feira (14), o governo informou que Patruchev será agora responsável pela indústria de construção naval russa —um cargo estratégico, mas muito distante da estatura que ele tinha como secretário do Conselho de Segurança da Rússia, que é liderado por Putin.
Para seu lugar irá o ex-ministro da Defesa, Serguei Choigu, outro aliado de longa data de Putin. O anúncio das surpreendentes mudanças com a Guerra da Ucrânia em curso ocorreu no domingo (12), e seu real significado aos poucos começa a se desvelar com a derrubada de Patruchev.
O ex-secretário era um ícone da presença dos siloviki (durões, em russo), a casta de egressos de serviços secretos que davam as cartas na gestão de Putin, ele mesmo um ex-espião que comandou o FSB (Serviço Federal de Segurança), principal agência sucessora da antiga KGB soviética.
Patruchev sucedeu a Putin no FSB em 1999 e lá ficou até 2008. Aos 72 anos, era da mesma geração de Putin, que tem 71. A mexida ministerial do começo do quinto mandato do presidente, no poder desde 1999, sinaliza um rejuvenescimento de outros quadros. O novo gabinete assumiu nesta terça.
Ascenderam na hierarquia nomes como o ex-guarda-costas do líder e governador de Tula Alexei Diumin, 51, e o assessor econômico Maxim Orechkin, 41. O primeiro é visto por muitos como um protegido de Putin e será seu conselheiro, enquanto o segundo virou chefe de gabinete adjunto.
Outros nome relativamente jovens ampliaram seu poder: o czar energético Alexander Novak, 52, segue como vice-premiê da área, mas com funções adicionais, e Denis Manturov, 55, virou o primeiro vice-premiê, responsável pela indústria.
Segundo uma pessoa com trânsito no Kremlin disse à Folha, a ideia de Putin é rejuvenescer os escalões inferiores de seu governo, mas sem indicar nenhum herdeiro presumido. Isso parecia ter ocorrido em 2008, quando apoiou Dmitri Medvedev para o sucedê-lo na Presidência até 2012 enquanto mantinha o poder como premiê.
Ao fim, Medvedev caiu em oblívio relativo, sendo hoje uma voz estridente de posições radicais no mesmo Conselho de Segurança, mas visto como uma figura sem peso político.
Esse mesmo observador afirma que a promoção do filho de Patruchev, Dmitri, 46, de ministro da Agricultura para vice-premiê do setor, é na realidade uma espécie de prêmio de consolação familiar, dado que Putin tem apreço pelo aliado.
Patruchev pode, claro, seguir influente nos bastidores, mas o modus operandi do presidente indica que essas derrubadas de aliados são para valer quando expostas em público.
Mexendo nas estruturas, Putin garante a manutenção de seu próprio poder, a exemplo do que faziam os czares durante o Império Russo. Com boa saúde aparente, seis anos de mandato e a possibilidade de mais uma reeleição pelas regras que ele mesmo confeccionou, nada sugere que vá deixar a cadeira.
Restam, contudo, dúvidas acerca do que irá acontecer na área da defesa. O ministro indicado, Andrei Belousov, é um tecnocrata ortodoxo que assessorou Putin na área econômica durante anos. Segundo o próprio Kremlin, sua missão é supervisionar a transformação em curso para uma economia de guerra.
Isso vai de encontro ao discurso de Putin, que coloca em termos abertos que vê a guerra como vizinho como uma etapa em seu conflito com o Ocidente pelo que percebe como tentativa de estrangulamento e partilha da Rússia.
O papel de Choigu está em aberto. Enquanto alguns observadores especulam que ele perdeu poder, outros afirmam que sua ida para o lugar de Patruchev pode ampliar sua influência, até porque seu número 2, o general Valeri Gerasimov, por ora fica onde está. Mas nada disso é certo.
Restará então saber a disposição de Belousov. Nesta terça, ele afirmou que a principal missão da Rússia é alcançar a vitória com o mínimo de perdas na Ucrânia. “O inimigo aprende rapidamente. Nós precisamos não só aprender, mas agir de forma preventiva”, disse.
Em campo, o momento é favorável a Moscou. A nova ofensiva em Kharkiv (norte) segue com avanços, com a Defesa anunciando a conquista de mais uma cidade nesta terça. Kiev afirma que o ímpeto inicial, que rompeu fortificações consideradas eficazes, foi contudo reduzido.
Segundo o chefe da inteligência militar ucraniana, Kirilo Budanov, os combates seguem, mas há preocupação com uma possível nova ação russa também ao norte, na região de Sumi, o que obrigaria uma diluição ainda maior das forças de Kiev pela frente de batalha.