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Professores na Venezuela abandonam salas de aula – 28/04/2024 – Mundo

Com o dinheiro que recebe a cada quinze dias, Belkis Bolívar consegue comprar apenas uma dúzia de ovos. Nada mais.

Com sorte, é suficiente para pagar a passagem de ida de ônibus. Belkis é professora do ensino fundamental.

A venezuelana, moradora de Caracas, exerce sua profissão há mais de 30 anos.

Trabalha no turno da noite em uma escola pública e recebe 150 bolívares a cada quinze dias, totalizando 300 bolívares por mês, ou seja, menos de US$ 10 (ou cerca de R$ 50).

“Tenho que fazer outras coisas durante o dia para complementar minha renda”, conta à BBC News Mundo, serviço de notícias em espanhol da BBC.

Como também é professora de línguas, dá aulas particulares de francês para ganhar um dinheiro extra. Mas também vende almoços, cachorros-quentes e pães recheados com presunto durante o Natal, além de chicha, uma bebida típica da América Latina feita a partir da fermentação de grãos ou frutas.

“Aceito qualquer encomenda, qualquer coisa, sempre estou buscando algo diferente para fazer.”

Seu caso não é único. O baixo salário e as péssimas condições de trabalho estão fazendo com que cada vez mais professores na Venezuela abandonem a profissão.

Cerca de 200 mil professores venezuelanos deixaram as salas de aula nos últimos anos, segundo estimativas de associações sindicais. Alguns se juntaram aos que emigraram do país, outros mudaram de profissão.

Sem incentivos, isso está causando um esvaziamento das escolas. E, no lado mais vulnerável, estão os alunos, que viram suas horas de aula reduzidas, às vezes ministradas por pessoas que nem sequer estão qualificadas para isso.

Sem aumento salarial

Belkis começou a procurar outras formas de ganhar dinheiro fora da docência em 2019, quando deixou de ver “a manteiga no pão”.

“Eu não vou mais lá [para a escola]. Dando aulas particulares me saio melhor. Só indo todos os dias de ônibus até lá, em uma semana gasto o salário quinzenal”, diz.

Já lhe propuseram dar aulas no ensino médio, mas o panorama é o mesmo que no ensino fundamental. O salário médio de um professor na Venezuela é de US$ 21,57 por mês (cerca de R$ 107), segundo o relatório do Centro de Documentação e Análise Social da Federação Venezuelana de Professores (Cendas-FVM).

Em janeiro, a cesta básica familiar estava em US$ 535,63 (aproximadamente R$ 2.678), de acordo com a mesma instituição. Um professor precisa de quase 25 salários por mês para cobri-la.

O último ajuste salarial do governo de Nicolás Maduro foi em março de 2022 e o salário base dos funcionários públicos é desde então de 130 bolívares por mês, o que equivale a cerca de US$ 3,6 (R$ 18).

Em janeiro passado, Maduro anunciou o aumento do chamado “bônus de guerra econômica” e do ticket de alimentação para o equivalente a US$ 100 por mês (R$ 500).

No entanto, nem todos recebem esse bônus. Para isso, é necessário ter o “carnê da pátria”, que é obtido ao se registrar no “Sistema Pátria”, uma entidade que, segundo setores críticos ao chavismo, é um mecanismo de controle da população.

De professora a mototaxista

Às vezes, Belkis considera deixar o ensino, mas ela diz que continua por vocação, “para não perder o contato com as crianças”.

Ao seu redor, muitos professores abandonaram as salas de aula.

“Conheço professores que são mototaxistas, que fizeram cursos de gerenciamento de redes sociais, professoras que trabalham fazendo sobrancelhas, colocando cílios… Outros que fizeram um curso de massagem redutora e terapêutica, professores de ginástica que foram para academias. Eles estão em atividades mais lucrativas do que dar aulas em uma escola”, explica.

Yasser Lenin Sierra é um dos que ingressaram no sistema público de educação e agora trabalham, entre outras coisas, como mototaxistas.

“A moeda não vale nada e a necessidade obriga. Com um horário de trabalho de 40 horas por semana e 12 turmas para dar aulas, eu ganhava cerca de US$ 5 por quinzena, e com o vale alimentação entre US$ 20 e US$ 25”, conta Sierra à BBC Mundo.

Este professor de educação física diz que em uma corrida longa de moto, de San José de Cotiza, no oeste de Caracas, até Petare, no leste, pode ganhar entre US$ 8 e US$ 10.

“O dobro do que ganhava dando aula em apenas uma corrida. Quando vou ao banco e saco dinheiro para comprar comida, dói. E eu tenho que comer, tenho que ter energia para dar aula, devo vestir roupas adequadas para trabalhar confortavelmente e sem me lesionar”, afirma.

Além da moto, ele dá 4 horas de aula em uma escola particular, que paga em dólares, e faz “o que aparecer”.

“Em um bom mês, no total, consigo fazer cerca de US$ 200 a US$ 330. Entre quatro adultos, conseguimos cobrir os gastos da família”, explica.

Outros, como Belkis e Yasser contam, decidiram não apenas sair das salas de aula, mas deixar a Venezuela em busca de um futuro melhor.

Eles se juntam à lista dos 7,7 milhões de pessoas que saíram de um país que continua em uma profunda crise econômica e política.

Para conhecer o ponto de vista das autoridades sobre a grave crise do setor educacional na Venezuela, a BBC News Mundo entrou em contato com o Ministério da Educação do país para entrevistar algum de seus representantes, mas o pedido não foi atendido.

A opção privada

Em 2017, Tulio Ramírez era um dos que estava fazendo as malas para sair do país.

Seu currículo era extenso: sociólogo, advogado com mestrado em Formação em Recursos Humanos, doutor em Educação, pós-doutorado em Filosofia e Ciências da Educação, com 38 anos de experiência como professor universitário.

Ele lecionava em duas universidades públicas, mas seu salário não ultrapassava US$ 30 por mês. “Eu nem conseguia ir trabalhar porque não tinha como abastecer o carro com gasolina”, relata.

Ele nos conta isso de Caracas porque, no último momento, recebeu um convite da Universidade Católica Andrés Bello (Ucab), uma instituição privada que lhe ofereceu um salário em dólares.

“Quando ouvi o valor, comecei a desfazer minhas malas.”

A oferta naquele momento era muito boa. Sete anos depois, com a inflação e o aumento do custo de vida na Venezuela, o valor de US$ 1.100 (R$ 5.626,39) é “bastante decente”, mas menor se comparado com outros colegas na América Latina.

“Com minha experiência, títulos e classificação, os professores universitários na região ganham em torno de US$ 4.000 (R$ 20.459,60) a US$ 5.000 (R$ 25.574,50)”, diz.

No Chile, o salário de um professor pode variar entre US$ 3.000 (R$ 15.344,70) e US$ 4.500 (R$ 23.017,05). Na Colômbia, está em torno de US$ 2.300 (R$ 11.764,27) e no Equador, cerca de US$ 2.000 (R$ 10.229,80), dependendo do cargo e da antiguidade.

Ainda assim, Tulio sabe que é privilegiado. Ele está entre a minoria de educadores que ainda se dedica ao ensino na rede privada, de forma exclusiva e com um pouco mais de dinheiro no bolso.

Na Venezuela, de cada dez instituições de ensino, 8 são públicas.

Ramírez também é presidente da ONG Assembleia de Educação e vê com preocupação a situação atual.

“Temos a educação dos 5 menos: menos professores, menos estudantes, menos investimento na educação pública, menos geração de reposição e menos qualidade na educação. Ela está se deteriorando e não há manutenção”, explica.

Ele relata que a Universidade Pedagógica Experimental Libertador (Upel), a principal instituição dedicada à formação de professores, tinha 106 mil estudantes em 2010. Em 2022, eram apenas 43 mil.

“A educação não é atrativa para nenhum estudante do ensino médio. Para preencher as vagas, levaríamos cerca de 25 anos, e dependemos desses graduados. A situação é extremamente grave”, destaca.

A Ucab realizou um estudo sobre o estado da educação no país e Carlos Calatrava, diretor da Escola de Educação deste centro, nos diz que o mínimo necessário agora são cerca de 256 mil professores.

“Você se perguntará quem cobre isso, quem está nas salas de aula”, questiona Ramírez por videochamada.

“Os jovens que trabalhavam no programa ‘Emprego Juvenil’, por exemplo. Ou pais e mães voluntários que sabem algo sobre uma determinada matéria que possam dominar. É assim que estamos indo”, responde.

Em outubro de 2021, o Ministério da Educação anunciou a incorporação de pelo menos 1.700 jovens do ensino médio do Programa Emprego Juvenil, que oferece empregos em posições de professores.

Carlos Calatrava enfatiza o mesmo: “São pessoas sem formação em educação. Alguns o fazem como parte do trabalho social que deve ser feito no ensino médio e ensinam crianças do ensino fundamental. Não estou dizendo que isso seja errado, mas pelo menos deveria haver um professor adulto para orientar”.

Deixado para trás na lista de espera

A outra face dessa situação são as carências enfrentadas pelas crianças, desde o ensino fundamental até o ensino médio e até mesmo nas universidades.

Com a falta de professores nas instituições educacionais, há anos foi adotada a medida de os alunos irem para a escola um dia e meio ou dois dias por semana para condensar todas as aulas e disciplinas da semana.

Isso é conhecido como “horário mosaico” e ocorre em todos os níveis educacionais, inclusive com o pessoal de manutenção e administrativo.

“Nessas condições, como você constrói conhecimento? Como você mantém uma universidade com certa vida acadêmica se não há funcionários, trabalhadores? E você não pode obrigá-los a ir porque não há como, porque os salários de todo o pessoal não são suficientes”, reclama Tulio Ramírez.

A Venezuela não faz parte de programas de avaliação internacional como o relatório Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes). Mas também não realiza medições internas oficiais para avaliar o nível educacional e sua evolução.

“Me deparo com alunos de Comunicação que não sabem escrever ou médicos que nunca viram um cadáver e, ainda assim, são médicos. Isso é perigoso”, afirma Ramírez.

A Ucab conduziu vários estudos para avaliar as habilidades acadêmicas dos alunos e, segundo Carlos Calatrava, “a cada ano elas estão diminuindo”.

“Pode parecer feio dizer isso, mas na Venezuela temos uma qualidade de educação baixa, nula ou regular. Nem sequer alcançamos o mínimo, dez pontos em 20”.

Eles também observaram uma tendência. Antes existia uma diferença entre a educação pública e privada, sendo esta última de um nível mais elevado. “Essa diferença não existe mais, há uma igualdade na queda”, destaca Calatrava.

Sem motivação e sem merenda

O outro problema dos que realmente frequentam as aulas não se resume apenas à falta de conhecimentos acadêmicos, reconhece Calatrava.

“Há uma geração que não entende completamente, que não sabe como lidar emocionalmente com situações como quando um colega, sem querer, os empurra. Há um forte componente socioemocional, de socialização, que está se perdendo com o horário fragmentado.”

Calatrava observa ainda que há crianças excluídas do sistema “seja pela severidade da crise que estamos enfrentando, ou porque, devido à crise, essas crianças e adolescentes precisam ser incorporados ao trabalho o mais rápido possível”.

Em 2022, estimava-se que havia 1,5 milhão de crianças fora da escola, de acordo com a Pesquisa Nacional sobre Condições de Vida 2022 (Encovi) da Ucab.

“Essas crianças estão presas no ciclo vicioso da pobreza, não conseguem ter acesso à educação, se tornam pais cedo e esse ciclo se repete”, observa.

“Estamos jogando com o futuro do país”, afirma.

Dentre essas crianças que estão fora da escola, algumas entraram no sistema, mas acabaram desistindo.

“O fato de você ir para a aula e não encontrar seu professor, aquele que você conhecia, porque ele renunciou ou saiu do país, e ninguém te atender… Isso desmotiva. Há muita evasão escolar”, relata Belkis Bolívar.

Além da falta de motivação, ela destaca as dificuldades econômicas enfrentadas por cada família. Belkis lembra de quando trabalhava em uma escola em uma área muito pobre em Antímano, a oeste de Caracas.

Ela diz que poucas crianças não conseguiam trazer lanche, “mas sempre levava quatro arepas [bolinhos de farinha de milho] prontas e dava para quem não trouxe”.

“Agora as crianças estão dormindo na sala de aula e não é por preguiça, é por fome. Elas desmaiam, estão desnutridas… E o salário do professor já não é suficiente para fornecer lanches para eles”.

Este texto foi publicado originalmente aqui.

Fonte: Folha de São Paulo

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