Nenhum monumento americano ilustra inclusão e tolerância como a Estátua da Liberdade, no porto de Nova York. Já a cafona réplica de isopor plantada num shopping center da Barra da Tijuca, no Rio, nunca foi acusada de representar mais do que consumismo.
Mas a escultura original, inspirada em Libertas, a deusa romana, que a França deu de presente aos Estados Unidos para celebrar o centenário da independência e a abolição, passa por uma crise de significado depois de quase um século e meio simbolizando a acolhida a imigrantes e refugiados.
Dois políticos acusados de crimes cometidos na cidade, um já declarado culpado, podem forjar uma aliança para desmoralizar a reputação histórica de Nova York como porta de entrada de um país cuja identidade é inseparável das ondas de imigração.
O prefeito Eric Adams, aguardando julgamento em abril e sob forte pressão para conseguir financiar a campanha de reeleição de 2025, começou a se engraçar com Donald Trump já antes da eleição de novembro.
O motivo do prefeito democrata, cuja desonestidade foi sendo revelada à medida que seu entorno de asseclas se tornou alvo de investigação federal, é óbvio: conseguir um indulto e escapar de uma pena estimada entre 5 e 15 anos, por corrupção, aceitar propinas e financiamento estrangeiro de campanha.
Na segunda-feira (16), Trump disse que vai considerar um indulto para Adams, mesmo admitindo que conhece bulhufas sobre as acusações, porque “ele está sofrendo injustiças.” Na linguagem do presidente eleito, injustiçado é um criminoso flagrado pela Justiça.
Trump promete deportações em massa assim que puser os pés no Salão Oval, em janeiro. Deixando de lado a imensa complicação burocrática da promessa —desafios judiciais, falta de equipes de imigração para encontrar e capturar imigrantes e eventual recusa de países de recebê-los—, o que nenhum republicano tem coragem de admitir quando os microfones estão ligados é que a pujança da economia americana pós-Covid foi movida em boa parte por imigrantes. Mesmo antes da pandemia, as economias dos estados americanos, em maior ou menor grau, já seriam seriamente afetadas se essa força de trabalho desaparecesse.
Empresários de diferentes setores, inclusive em estados de linha dura anti-imigrante, fazem lobby de bastidor para exceções. Um exemplo de hipocrisia é o Texas, onde 60% dos empregados imigrantes que são o motor da importante indústria de construção não têm documentos.
O ex-policial Eric Adams já se encontrou com Tom Homan, o indicado para “czar da fronteira”, defensor da separação de famílias chegando com crianças, e disse que os dois têm “o mesmo objetivo”. Seria impensável, há poucos anos, um governante democrata de Nova York defender tratamento cruel de imigrantes. Adams depende da Câmara municipal para mudar a lei de santuário para imigrantes, mas promete tentar emitir ordens executivas para enfraquecê-la.
Cálculos variam, mas numa estimativa conservadora, Nova York tem 350 mil trabalhadores sem visto regular. Uma deportação em massa aqui, apoiada pelo prefeito, seria devastadora, não só para a economia local como para o tecido social desta metrópole, onde mais de 1 milhão de domicílios abrigam famílias de membros em situação irregular e cidadãos naturalizados.
Um objetivo da deportação em massa já foi atingido. Ansiedade e medo afligem milhões de trabalhadores imigrantes nos EUA.
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