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Por que Navalni voltou à Rússia se sabia que seria preso – 22/02/2024 – Mundo

Houve uma pergunta que os russos repetidamente fizeram ao líder da oposição a Vladimir Putin na Rússia, Alexei Navalni, que morreu em uma remota colônia penal no Ártico na última sexta-feira (16), e ele confessou que achava um pouco irritante.

Por que, após sobreviver a um envenenamento amplamente atribuído ao Kremlin, ele havia retornado à Rússia de sua longa estadia no exterior para enfrentar uma prisão certa e possível morte? Até mesmo seus carcereiros, desligando dispositivos de gravação, perguntaram por que ele havia voltado, ele disse.

“Não quero desistir nem do meu país nem das minhas crenças”, escreveu Navalni em um post no Facebook em 17 de janeiro para marcar o terceiro aniversário de seu retorno e prisão em 2021. “Não posso trair nem o primeiro nem o segundo. Se suas crenças valem algo, você deve estar disposto a defendê-las. E, se necessário, fazer alguns sacrifícios.”

Essa foi a resposta direta, mas para muitos russos, tanto aqueles que o conheciam quanto aqueles que não o conheciam, a questão era mais complexa. Alguns consideravam quase uma tragédia clássica grega: o herói, sabendo que está condenado, volta para casa de qualquer maneira porque, bem, se não o fizesse, ele não seria o herói.

O lema de Navalni era que não havia motivo para temer o governo autoritário de Putin. Ele queria colocar isso em prática, disseram comentaristas russos, e como ativista que prosperava na agitação, ele temia afundar na irrelevância, no exílio. A decisão lhe rendeu novo respeito e seguidores enquanto continuava a criticar o Kremlin de sua cela, mas também lhe custou a vida.

“Navalni era um homem de ação”, disse Abbas Galliamov, ex-redator de discursos do Kremlin. “Para ele, política era ação, não apenas democracia e teoria como é para muitos na oposição russa. Eles estão bastante satisfeitos em ficar no exterior, falando e falando e falando sem fazer nada com as mãos. Para ele, isso era insuportável.”

O retorno representava tanto seu apego emocional incontrolável à causa quanto sua profunda sinceridade, acrescentou Galliamov.

Ainda assim, provocou extenso espanto e curiosidade, não menos porque ele tinha uma esposa e dois filhos adolescentes que permaneceram no exílio.

“Muitos escreveram ao longo desses três anos: ‘Por que ele voltou, que tipo de idiotice, que tipo de sacrifício sem sentido?'” Andrei Lochak, jornalista russo, escreveu em um artigo publicado pela Meduza, uma agência de notícias independente. “Para aqueles que o conheciam, era natural: você o vê na vida e entende que uma pessoa não pode fazer de outra forma.”

Lochak disse que, após o retorno de Navalni, ele postou a foto do líder da oposição com apenas uma palavra na legenda: “Herói.” Antes, ele considerava esse tipo de sacrifício como coisa de filmes. “Ele era um farol nesta escuridão. Aqui ele está sentado em algum lugar dessas terríveis celas de punição e ri delas”, escreveu. “Isso mostra que é possível.”

Navalni expressou frustração consigo mesmo por muitos russos se recusarem a aceitar sua decisão de retornar como algo genuíno, às vezes insinuando que ele havia feito algum tipo de acordo nos bastidores com o Kremlin. Talvez ele não tenha se expressado claramente o suficiente, escreveu no post de janeiro no Facebook.

Houve alguns ecos da história no retorno. Em 1917, após anos de exílio na Europa, Vladimir Lênin chegou memoravelmente à Estação Finlândia em São Petersburgo de trem, provocando tumultuosas manifestações que eventualmente levaram os bolcheviques ao poder e deram origem à União Soviética.

Galliamov disse que às vezes lamentava que Navalni tivesse retornado no meio de janeiro, no auge do inverno russo e distante de qualquer eleição, de modo que os protestos desencadeados por sua prisão imediata em um aeroporto de Moscou não se traduziram em nenhuma reação política sustentada.

Putin pensou em vários momentos que havia resolvido seu problema com Navalni, não menos por permitir que ele saísse para se recuperar na Alemanha após ter sido envenenado. A percepção era que qualquer pessoa em sã consciência não voltaria, mas Navalni voltou.

Mesmo na prisão, Navalni se tornou um problema para o Kremlin com sua capacidade de fazer suas opiniões serem ouvidas, como endossar o apelo para que todos os eleitores na próxima eleição presidencial de 15 a 17 de março compareçam às urnas ao meio-dia de 17 de março como um protesto silencioso contra a Guerra da Ucrânia.

“Quando Navalni voltou, foi um pesadelo para Putin. As pessoas estavam dizendo que ele era um sobrevivente”, disse Ievguenia Albats, jornalista russa proeminente na Universidade Harvard. Alguns foram ainda mais longe, disse ela, sugerindo que ele havia ressuscitado dos mortos.

Em regimes autoritários, esses desafios políticos muitas vezes se resumem a um duelo entre dois homens para ver quem pode durar mais que o outro, e foi isso que aconteceu neste caso, disse Galliamov.

“No fundo, é uma luta psicológica entre dois personagens sobre quem é a pessoa mais poderosa”, disse. “Como Navalni era um desafiante real, um verdadeiro lutador, é por isso que ele permaneceu na agenda”.

A reação mais comum à sua morte entre aqueles que viam Navalni como o líder da oposição mais viável era que ele havia sido assassinado na prisão, seja diretamente ou por meio de três anos de condições cada vez mais severas. O Kremlin, cada vez menos tolerante com qualquer crítica em meio ao seu esforço de guerra na Ucrânia, silenciou os moderados e deu rédea solta aos falcões, condenando Navalni, disseram eles.

Questionado sobre a morte de Navalni, Dmitri Peskov, porta-voz de Putin, disse aos repórteres que não tinha informações sobre a causa da morte, mas que seria determinada pelos médicos.

No final, o que levou Navalni a retornar à Rússia foi o destemor que ele achava que poderia lhe trazer um enorme poder político, disse Kirill Rogov, ex-conselheiro do governo russo que agora lidera a Re: Russia, um think tank com sede em Viena. “Navalni desafiou-os com seu destemor”, disse. “Eles não toleram destemor”.

Fonte: Folha de São Paulo

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