O governo de Israel anunciou um cessar-fogo no conflito contra o Hezbollah no Líbano.
O país está travando uma guerra em duas frentes na região desde 7 de outubro do ano passado, incluindo um confronto contra o Hamas na Faixa de Gaza.
A escalada contínua dos conflitos levou políticos e analistas do mundo todo a manifestar o temor de que o Oriente Médio entrasse em uma guerra total.
Perguntamos aos correspondentes da BBC que cobrem a região por que razão foi declarado um cessar-fogo no Líbano, mas ainda não em Gaza —e como chegamos até aqui.
Carine Torbey, correspondente da BBC News Arabic em Beirute
Há diferenças marcantes na forma como Israel abordou seus dois principais adversários regionais —o Hamas, em Gaza, e o Hezbollah, no Líbano.
Enquanto Gaza faz parte de uma entidade atualmente sob ocupação israelense, o Líbano é um Estado soberano —embora tenha sido ocupado por Israel até que a resistência sustentada pelo Hezbollah e outros grupos forçou sua retirada.
Apesar de seu enorme poderio militar e de sua supremacia aérea, Israel tem sofrido com sua operação terrestre no Líbano.
Depois de quase dois meses, não conseguiu garantir o controle das cidades do sul, nem conseguiu neutralizar a capacidade de lançamento de foguetes do Hezbollah em direção ao norte.
O Hezbollah também conseguiu aprofundar seus ataques no território de Israel, interferindo no dia a dia das principais cidades.
Isso acontece em um momento em que o Exército israelense está sofrendo um número cada vez maior de baixas no sul do Líbano.
Israel também não conseguiu criar condições para o retorno dos moradores desalojados ao norte do país. Isso pode ter sido uma questão importante para convencer o premiê israelense, Binyamin Netanyahu, a concordar com um cessar-fogo com o Hezbollah.
Soma-se a isso o esgotamento do Exército israelense e os efeitos políticos e econômicos de ter que convocar cada vez mais reservistas para o conflito.
Leila Nicolas, autora do livro Global and Regional Strategies in the Middle East (“estratégias globais e regionais no Oriente Médio”, em tradução livre), também observa que “os israelenses não têm um plano claro para o ‘dia seguinte’ [ao fim da guerra] em Gaza”.
Segundo ela, isso é algo que pode ser deixado para depois que Donald Trump tomar posse como presidente dos Estados Unidos, em janeiro.
Em contrapartida, já existe uma estrutura clara para o acordo no Líbano, que é a base sobre a qual os termos do cessar-fogo foram negociados.
Ele se baseia na Resolução 1701 do Conselho de Segurança da ONU, que encerrou a guerra entre Israel e o Hezbollah em 2006.
Muitos aspectos do acordo permanecem obscuros ou ambíguos. Isso indica que ambos os lados tiveram que rever seus objetivos iniciais para que o acordo funcionasse.
Israel não foi capaz de eliminar totalmente a ameaça do Hezbollah e garantir, por meios militares, o retorno seguro de seus cidadãos ao norte de Israel.
O Hezbollah, abalado pelos vários golpes em sua liderança, instituições e comando militar, também parece ter abandonado sua condição original de não interromper os ataques às posições israelenses antes do fim da guerra em Gaza.
“Também está claro que o Irã [um apoiador financeiro e ideológico do grupo extremista] não gostaria que o Hezbollah fosse arrastado para uma longa guerra de atrito [também conhecida como guerra de exaustão] que vai esgotá-lo ainda mais”, disse Leila Nicolas.
Adnan El-Bursh, correspondente da BBC News Arabic em Gaza
Algumas pessoas em Gaza se referiram ao acordo como uma decisão do Hezbollah de abandonar a estratégia de “unidade das frentes”.
Este é o conceito adotado pelo Hezbollah e pelo Hamas no início da guerra com Israel para coordenar as operações entre os membros do chamado “eixo de resistência”, que inclui outros grupos em Gaza, os houthis no Iêmen e outros grupos menores no Iraque.
A principal diferença que explica a existência do acordo de cessar-fogo no Líbano e a falta de um em Gaza é que o Hezbollah deixou as negociações nas mãos do governo libanês, enquanto o Hamas está liderando as negociações em Gaza e se recusa a ser representado pela Autoridade Palestina em Ramallah.
As divisões entre os palestinos e a falta de um Estado unificado e oficialmente reconhecido que gerencie as negociações com Israel têm desempenhado um papel importante na falta de um acordo de cessar-fogo em Gaza.
Alguns especialistas também dizem que há um vazio na liderança do Hamas, após o assassinato de figuras importantes da organização por Israel. Isso significa que o Hamas não está agora em posição de negociar de forma eficaz um cessar-fogo.
As dificuldades de comunicação entre os líderes do Hamas dentro e fora de Gaza tornam tudo ainda mais desafiador.
Fathi Sabah, escritor e analista político de Gaza, disse à BBC que “Israel considera a guerra em Gaza sua principal batalha, dado o fato que o Hamas iniciou o conflito, e não o Hezbollah. Atacar o Hezbollah no Líbano foi uma oportunidade que se apresentou a Israel quando Israel sentiu que havia destruído as capacidades do Hamas em Gaza”.
Sabah também acredita que a dimensão do combate contra o Hezbollah —que tem mais recursos e representa uma ameaça maior do que o Hamas— foi um fator que Israel levou em consideração ao negociar um cessar-fogo.
“Os foguetes do Hezbollah atingiram cidades como Tel Aviv e Haifa, e tiveram um impacto doloroso em Israel e nas milhares de pessoas que foram desalojadas do norte”, afirmou Sabah à BBC.
Ele também acredita que Israel foi influenciado pelas atitudes de países aliados, como os EUA e a França, que estavam cada vez mais desconfortáveis com o que descreveram como “agressão israelense” a Beirute.
Muhannad Tutunji, repórter da BBC News Arabic em Jerusalém
Vários fatores levaram Israel e o Líbano a chegarem a um acordo neste momento, especialmente dadas as distintas realidades políticas e militares do Líbano e de Gaza.
No Líbano, o Hezbollah —que luta contra Israel— faz parte de uma cena política mais ampla, representando apenas um dos muitos grupos sectários e políticos do país.
Alguns analistas dizem que nem todos os cidadãos libaneses compartilham a perspectiva do Hezbollah sobre o conflito com Israel.
A situação em Gaza, no entanto, é bem diferente. Lá, a força política e militar que governa é o Hamas, apoiado por algumas outras facções com posições semelhantes anti-Israel.
Para os israelenses, a guerra no Líbano também é diferente da guerra em Gaza.
A operação militar no Líbano tem como objetivo eliminar qualquer ameaça militar aos moradores do norte de Israel e busca restaurar sua segurança na região.
Em Gaza, Israel declarou sua intenção de erradicar completamente o Hamas, uma meta que ainda não foi totalmente alcançada. Israel também pretende recuperar os 101 reféns que ainda são mantidos em Gaza, o que afetaria qualquer negociação de cessar-fogo.
O ex-chefe do Conselho de Segurança Nacional de Israel, Yaakov Amidror, disse à BBC que muitos libaneses temem que o conflito possa se espalhar para outras partes do Líbano.
Isso, segundo ele, poderia levar a uma destruição semelhante à observada nos subúrbios do sul de Beirute.
Ele também destacou a decisão estratégica de Israel de separar sua abordagem em relação ao Líbano do conflito em Gaza. Para Israel, isso é crucial, pois permite que o país se concentre em erradicar completamente o Hamas em Gaza, ele explica.
Amidror enfatizou que o verdadeiro teste do cessar-fogo não estava no acordo em si, mas em sua implementação —e questionou como Israel reagiria se o Hezbollah violasse o cessar-fogo.
Esta reportagem foi originalmente publicada aqui.