Espremida entre a Venezuela e o Suriname, a Guiana nunca ocupou grande destaque no noticiário brasileiro ou internacional.
A descoberta de petróleo em 2015 e o início da perfuração comercial quatro anos depois mudaram isso.
Atualmente, a Guiana é o país mais cresce no mundo, a uma taxa superior a 60% ao ano.
Mas, nas últimas semanas, a ameaça de uma possível anexação de parte de seu território, a região de Essequibo, pela Venezuela, em meio a uma disputa centenária, fez com que os olhos do mundo se voltassem novamente para esta ex-colônia britânica que faz fronteira com o Brasil.
E acabou lançando luz sobre as curiosidades deste pequeno país.
A Guiana é o único país de língua inglesa da América do Sul, tem uma das menores densidades demográficas do mundo e é comandada por um presidente muçulmano (o segundo a ocupar tal posto na América Latina e no Caribe).
Um dos destaques fica por conta da principal etnia de sua população: quatro em cada dez guianeses (43%) têm origem indiana. O líder do país, Irfaan Ali, é um deles – o islamismo é a segunda religião mais predominante na Índia, após o hinduísmo.
O restante dos guianeses tem origem africana (30%), mestiça (17%) e ameríndia (9%), segundo o Departamento de Estado dos Estados Unidos.
História
No século 14, a área onde hoje se localiza a Guiana passou a ser habitada por tribos ameríndias semi-nômades, principalmente Warraus.
O navegador genovês Cristóvão Colombo (1451-1506), a serviço da Coroa Espanha, avistou a Guiana em 1498.
Em 1580, os holandeses estabeleceram ali entrepostos comerciais.
A partir de 1620, a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais começou a importar escravizados africanos para trabalhar nas suas plantações de açúcar.
Entre 1780 e 1813, a Guiana mudou de mãos entre holandeses, franceses e britânicos.
Em 1814, o Reino Unido ocupou a Guiana durante as Guerras Napoleônicas e mais tarde a transformou na Colônia da Guiana Britânica.
Vinte anos mais tarde, a exemplo do que ocorria em outras possessões britânicas pelo mundo, a escravidão foi abolida.
Em 1889, a Venezuela reivindicou dois terços da Guiana a oeste do rio Essequibo, mas a arbitragem internacional decidiu a favor da Guiana dez anos depois.
Na mesma época, o Brasil entrou em um conflito diplomático com o Reino Unido por uma área de cerca de 33 mil quilômetros quadrados, localizada entre a fronteira do atual estado de Roraima e a Guiana.
O litígio ficou conhecido como “Questão do Pirara”.
Em 1953, o Reino Unido suspendeu uma nova constituição e instalou uma administração interina após o sucesso do partido indo-guianês PPP nas primeiras eleições livres.
Em 1960, uma nova constituição proporcionou um autogoverno interno completo, mas em 1964 uma revolta desencadeou conflitos raciais e motins violentos.
Finalmente, em 1966, a Guiana se tornou independente do Reino Unido.
Imigração indiana
A chegada dos imigrantes indianos coincidiu com a abolição da escravidão na Guiana.
A demanda por mão de obra fez com que trabalhadores fossem trazidos da Índia.
O primeiro grupo de indianos partiu de Calcutá, no leste indiano, e chegou à Guiana em 5 de maio de 1838, mesmo ano da emancipação final dos escravos nas Índias Ocidentais Britânicas.
Esses imigrantes indianos, 396 no total, ficaram popularmente conhecidos como “Gladstone Coolies”, em alusão a John Gladstone, proprietário de uma plantação de açúcar na Guiana Britânica e representante da Associação das Índias Ocidentais.
“Coolie” é um termo usado historicamente para designar trabalhadores braçais oriundos da Ásia, especialmente da China e da Índia, durante o século 19 e início do século 20.
Atualmente, nos países de língua inglesa, o termo é considerado como um apelido pejorativo e racista para as pessoas de ascendência asiática.
Esses imigrantes vieram em dois navios, o M.V. Whitby e o M.V. Hesperus.
O grupo cruzou o Oceano Índico e o Oceano Atlântico antes de chegar à Guiana.
Como trabalhadores contratados, assinaram um acordo pelo qual concordavam em trabalhar vários anos nas lavouras em troca de uma pequena quantia de dinheiro.
Esse sistema permaneceu em vigor por mais de 75 anos e tinha características essenciais “que lembravam muito a escravidão”, diz o Ministério da Educação da Guiana.
No espaço de uma década, a imigração indiana foi em grande parte responsável por “revolucionar” a indústria açucareira local, o esteio da economia, dando-lhe sobrevida e prosperidade.
No fim do contrato, alguns trabalhadores retornaram para a Índia enquanto outros permaneceram e se estabeleceram na Guiana.
Registros indicam que, entre 1838 e 1918, 238.909 indianos foram trazidos para a Guiana Britânica em cerca de 500 navios como trabalhadores contratados entre 1838 e 1917.
A Guiana Britânica importou o maior número de trabalhadores contratados da Índia em comparação com o restante das colônias de língua inglesa.
Por causa disso, até hoje, a Guiana celebra o dia da chegada dos indianos, 5 de maio, como feriado nacional.
Outras conhecidas festividades indianas também marcam presença no calendário dos guianeses, como o Diwali (festival das luzes) e o Holi (festival das cores).
Disputa por Essequibo
Recentemente, uma antiga disputa territorial com a Venezuela foi reacendida depois que o governo venezuelano realizou um referendo para anexar a região de Essequibo – uma crise que também envolve Brasil e Estados Unidos.
Com aproximadamente 160 mil km², pouco maior que o Estado do Ceará, Essequibo representa 70% do território guianês.
É uma região rica em minerais como ouro, cobre, diamante e, recentemente, lá também foram descobertos enormes depósitos de petróleo e outros hidrocarbonetos.
A Venezuela reivindica Essequibo há mais de 100 anos como parte de seu território.
Segundo o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) venezuelano, 10,5 milhões de eleitores participaram do referendo, realizado no dia 3 de dezembro, dos quais 95,93% aceitaram incorporar oficialmente Essequibo ao mapa do país e conceder cidadania e documento de identidade aos mais de 120 mil guianenses que vivem no território.
A Guiana considera o referendo “provocativo, ilegal, inválido e sem efeito legal internacional”.
Já a Organização dos Estados Americanos (OEA) chamou a consulta popular de “antidemocrática”. Também disse que “as recentes ações adotadas pelo regime na Venezuela não só colocam em perigo o desenvolvimento e a estabilidade da Guiana, mas representam risco mais amplo para a segurança da América Latina e do Caribe.
Recentemente, os Estados Unidos, aliados da Guiana, anunciaram um exercício militar com sobrevoos no país.
Por sua parte, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ofereceu o Brasil para sediar reuniões para mediar o conflito entre a Venezuela e a Guiana, na fronteira entre os dois países.
Embora o governo brasileiro ainda considere improvável que a Venezuela invada Essequibo, hoje sob domínio da Guiana, há temor de que a escalada da crise leve os Estados Unidos a instalar bases militares no território disputado, região que integra a floresta amazônica e faz fronteira com o norte do Brasil.
Há também uma disputa territorial em aberto com o Suriname.
Em 9 de dezembro, os presidentes da Venezuela, Nicolás Maduro, e da Guiana, Irfaan Ali, concordaram em realizar uma reunião sobre a disputa territorial da região de Essequibo.
A conversa está marcada para 14 de dezembro, em São Vicente e Granadinas, país do Caribe que ocupa a presidência pro tempore da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac).
Em entrevista exclusiva à BBC News Brasil, Ali disse que Maduro tenta “incutir medo no povo” guianense e não descartou a instalação de uma base americana no país.
Política
As disputadas eleições de março de 2020 acabaram por ser resolvidas a favor do candidato da oposição Irfaan Ali, que se tornou o primeiro presidente muçulmano do país em agosto daquele ano.
Ex-ministro da Habitação e do Turismo nos governos do Partido Progressista Popular (PPP), Ali derrotou o presidente em exercício, David Granger, do Congresso Nacional Popular, após uma recontagem completa em meio a alegações de fraude eleitoral do governo.
Uma coligação liderada pelo PPP também obteve uma estreita maioria nas eleições parlamentares simultâneas.
Desde a sua fundação, em 1950, o PPP, de ideologia de esquerda e socialista, governou a Guiana duas vezes por longos períodos.
Ali assumiu o poder pouco após a gigante petrolífera americana Exxon ter feito uma das maiores descobertas mundiais de petróleo em águas profundas ao largo da costa da Guiana, o que poderá alterar drasticamente as perspectivas econômicas do país.
A Guiana é membro da Commonwealth (um grupo internacional composto pelo Reino Unido e uma série de suas antigas colônias) desde 1970.
Economia
Por muito tempo, desde que a Guiana conquistou a sua independência em 1966, as principais fontes de riqueza do país eram suas florestas (que cobrem praticamente todo o seu território), as plantações de cana-de-açúcar, os campos de arroz e as reservas de bauxita e ouro.
Apesar disso, a Guiana continuou a ser um das nações mais pobres da América do Sul nas primeiras décadas do século 21.
Mas a sorte do país mudou dramaticamente em 2015 com a primeira de uma série de ricas descobertas de campos petrolíferos em águas profundas no bloco Stabroek, ao longo do litoral.
No final de 2020, foram encontrados outros 17 campos de petróleo no mesmo bloco, na Guiana, e a expectativa é que até 2025 esses campos vão produzir cerca de 750 mil barris de petróleo por dia.
Raio-X da Guiana
- Capital: Georgetown
- Área: 214.970 km2
- População: 810.900
- Idiomas: inglês, crioulo guianense e outros
- Expectativa de vida: 67 anos (homens) 73 anos (mulheres)
- Presidente: Irfaan Ali
Esse texto foi originalmente publicado aqui.