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Podcast discute diplomacia em meio a duas guerras – 17/06/2024 – Mundo

A questão pode parecer ingênua. Mas como é possível que a diplomacia, com a evolução de suas técnicas, seja compatível com a existência simultânea de duas guerras? Já são mais de dois anos e meio de conflito entre a Rússia e a Ucrânia e mais de oito meses, em Gaza, entre Israel e os terroristas do Hamas.

A questão foi levantada em podcast pela France Culture, uma das emissoras públicas de rádio na França. Como era de se esperar, os especialistas trouxeram ênfases bem diferenciadas sobre as razões que impedem que as negociações sejam um instrumento constante para montar um cenário de paz.

Mas pode ser que não seja bem esse o objetivo, diz o diplomata aposentado Gérard Araud, ex-embaixador francês em Washington e nas Nações Unidas. Ele afirma que, no caso de Gaza, um cessar-fogo não é de interesse nem de Israel nem do Hamas. Aceitando a interrupção dos combates, o governo Binyamin Netanyahu entregaria ao Hamas o controle político de Gaza e permitiria que o grupo islâmico reinasse sobre os temas em que se dividem os palestinos.

O presidente Joe Biden entra na discussão por uma porta lateral. Ele sabe que cedo ou tarde Netanyahu “o apunhalará pelas costas”, porque a ultradireita israelense torce para Donald Trump nas eleições presidenciais americanas de novembro.

Biden incorporou recentemente às lições que aprendeu o fato de a esquerda do Partido Democrata ser pró-Palestina, enquanto a posição tradicional do Departamento de Estado era de que os americanos seriam sempre e apenas pró-Israel.

Outro participante do podcast, Pascal Lamy, que foi diretor da Organização Mundial do Comércio, bate na tecla da desunião entre os europeus com relação a Gaza. Se a Hungria ou a Holanda estão mais para indiferentes, a Alemanha —por razões históricas, o Holocausto— jamais deixarão de apoiar Israel. Razões parecidas, mas em sentido oposto, envolvem a Espanha, onde um passado islamizado construiu afinidades políticas com os atuais Estados árabes e com os palestinos.

Mas a dicotomia não se esgota no confronto entre israelenses e terroristas. A expansão dos ataques de milicianos abastecidos pelo Irã também tornou fervente o caldeirão do golfo Pérsico, com o ataque a mais de 50 embarcações supostamente ligadas aos interesses mercantis israelenses, diz o historiador Thomas Gomart, diretor do Instituto Francês de Relações Internacionais.

Ainda o golfo, diz ele, tem sua lógica militar pró-ocidental defendida por EUA e Reino Unido, que não mais dissociaram aquilo que é interesse diplomático daquilo que é interesse militar. As duas coisas agora se misturam e passam a valer a mesma racionalidade quando se trata dos tempos de guerra e dos tempos de paz.

Por meio do golfo o podcast se aproxima geograficamente da Rússia, que, segundo os debatedores, tem hoje como ponto central de desonra o fato de não ter conseguido derrotar a Ucrânia. A resistência de Kiev é o fato notável desse longo conflito.

Os europeus defendem a Ucrânia, mas vejamos as manifestações dos ocidentais na Normandia, no último dia 6, quando se comemoraram os 80 anos do desembarque dos aliados. Europa e EUA se disseram apegados à causa ucraniana, mas dentro da própria esfera da Otan, a aliança militar ocidental, prevaleciam pontos fortes de desunião.

E ainda: de que vale a França afirmar que cederá 26 caças Mirage à Ucrânia se a força política do presidente Emmanuel Macron derreteu depois das eleições europeias e de sua iniciativa de, debilitando-se no continente, dissolver a Assembleia Nacional sob o risco de entregar o poder para a ultradireita francesa, que tem as simpatias dos lados do Kremlin.

A agenda diplomática estava carregada no momento em que o podcast foi ao ar. Havia a reunião do G7, na Itália, e em seguida a reunião na Suíça para tratar da Ucrânia, sem a participação da Rússia e da China, que se distanciaram do eixo da paz.

“Estamos numa escalada retórica, não em uma escalada diplomática”, diz Christine Ockrent, a jornalista que conduz o podcast. Bastou, por exemplo, que no aeroporto parisiense de Roissy a polícia detivesse um alto funcionário russo para averiguações para que, no dia seguinte, a polícia russa prendesse em Moscou um alto funcionário francês.

Em resumo, o clima está bem envenenado, e é possível prever que a diplomacia seja apenas sinônimo de prosseguimento comercial dos mecanismos da globalização. Nada mais que isso.

Fonte: Folha de São Paulo

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