O primeiro boletim das autoridades eleitorais da Venezuela indica que mais de 95% dos eleitores que participaram do plebiscito realizado neste domingo (3) apoiam a ideia de anexar parte do território da vizinha Guiana.
A votação, que contraria recomendações da Justiça Internacional, teve por finalidade aferir o apoio da população venezuelana à reinvindicação de Essequibo, área que corresponde a 2/3 do território da Guiana e é rica em petróleo.
É “uma vitória evidente e esmagadora do ‘Sim’ neste referendo consultivo para Essequibo”, disse o presidente do Conselho Nacional Eleitoral (CNE), Elvis Amoroso, que informou que mais de 10,5 milhões de venezuelanos, de uma população eleitoral de 20,7, milhões participaram da consulta não vinculativa.
A Venezuela mantém uma reivindicação secular por este território de 160.000 km².
Apesar de especialistas avaliarem que o referendo não deve inflar um conflito imediato entre as duas nações, Caracas, que empenhou forte campanha a favor do “sim”, celebrou o resultado.
“Demos os primeiros passos de uma nova etapa histórica para lutar pelo que é nosso”, comemorou o presidente Nicolás Maduro, que busca a reeleição em 2024, no evento de celebração na central Plaza Bolívar, na capital.
“O povo venezuelano falou alto e bom som”, continuou ele. “Cinco vezes sim, pelo peito, para que respeitem a Venezuela”.
A consulta não foi sobre autodeterminação, já que os 125 mil habitantes de Essequibo não votam no referendo. O resultado não tem consequências concretas no curto prazo: a Venezuela procura reforçar a sua reivindicação e negou que a iniciativa seja uma desculpa para invadir e anexar à força a área, como temem os guianenses.
A Venezuela defende que o Rio Essequibo é a fronteira natural, como em 1777, quando era Capitão General do Império Espanhol. Apela ao Acordo de Genebra, assinado em 1966, antes da independência da Guiana do Reino Unido, que lançou as bases para uma solução negociada e anulou uma sentença de 1899, que definia as fronteiras defendidas pela Guiana.
O governo da Guiana, por sua vez, defende essa sentença e pede que seja ratificada pelo Tribunal Internacional de Justiça (CIJ), o mais alto tribunal das Nações Unidas.
O presidente da Guiana, Irfaan Ali, que denunciou o referendo como “uma ameaça” à paz na América Latina e no Caribe, disse aos guianenses que “não tinham nada a temer”.
“Estamos trabalhando incansavelmente para garantir que as nossas fronteiras permaneçam intactas e que a população e o nosso país permaneçam seguros”, disse ele numa transmissão no Facebook. “É uma oportunidade para eles mostrarem maturidade” e “responsabilidade”.
O Ministro da Defesa venezuelano, Vladimir Padrino, e outros altos funcionários do governo, como a vice-presidente Delcy Rodríguez, divulgaram um vídeo no qual os indígenas são vistos substituindo uma bandeira da Guiana em um mastro por uma bandeira venezuelana. Asseguram que se trata do mesmo levantado em 24 de novembro por Ali na Serra de Pacaraima, na área reivindicada.
Consultado pela AFP, o Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas da Guiana, Brigadeiro Omar Khan, afirmou que o vídeo seria “falso” e o descreveu como “propaganda de guerra”.
Para o analista Phil Gunson, do centro de pesquisas Crisis Group, o resultado era esperado por não haver uma oposição sólida no país sobre o tema.
“O voto não é obrigatório, e ele controla o Conselho Nacional Eleitoral. Não há uma campanha pelo ‘não’ nas urnas, de modo que não haverá testemunhas ou monitoração nos centros de votação”, avaliou.
“Funcionários públicos também são pressionados a participar por seus superiores. E, bem, a Venezuela é um país de ‘listas negras’. Se você não vota quando o governo exige, isso complica sua vida. A economia está em muito mau estado. Nenhum trabalhador almeja isso.”