Na última terça (15), Assunção estava em festa para a posse do colorado Santiago Peña. Bandeirinhas e luzes com as cores do Paraguai estavam pelas ruas do centro histórico da capital.
Enquanto o novo presidente fazia o juramento, jovens compravam e tomavam drinques de barraquinhas instaladas nas esquinas, fazendo o esquenta para a festa que se estendeu até tarde na madrugada.
Peña, com seu discurso firme e sua habilidade retórica, parecia convencer os presentes de que, a partir daquele momento, começaria o “ressurgimento de um gigante”, sempre fazendo referências a como o Paraguai se levantou depois de ser totalmente arrasado na Guerra da Tríplice Aliança.
O caso é que sua posse também significa o ressurgimento de outro gigante, não necessariamente uma força positiva para o país. Trata-se do ex-presidente Horacio Cartes (2013-2018), um dos homens mais poderosos e ricos do Paraguai e padrinho da campanha de Peña, seu ex-ministro da Economia.
O que opositores e a sociedade em geral se perguntam é: qual a influência de Cartes no atual governo?
Para quem não se lembra, Cartes governou dividindo o Partido Colorado. Ao seu lado estavam jovens políticos vinculados ao mundo empresarial. Do outro, a velha guarda colorada que não compartilhava de seu modo de gerir o país como um negócio. O Colorado passou então a ser uma legenda com duas alas, e Cartes saiu derrotado na eleição de 2018, quando a velha guarda elegeu Mario Abdo Benítez.
Agora, terminada a gestão de Benítez, Cartes volta com ainda mais poder. Seus parlamentares, da divisão Honor Colorado, dominam o Congresso, e o novo presidente não poderá avançar em reformas sem o apoio do padrinho, correndo o risco de virar uma marionete. Isso ficou claro já na escolha dos ministérios. Peña não teve liberdade para nomear o gabinete que queria e teve até de desconvidar gente que sondou para os cargos, porque Cartes os vetou. Mas quais são as ambições do ex-presidente?
Antes de tudo, proteger-se da Justiça paraguaia e americana, devido a uma denúncia relacionada a narcotráfico e porque foi considerado pelo Departamento de Justiça dos EUA uma pessoa “significativamente corrupta”. Cartes não pode sair do Paraguai, sob o risco de ser preso.
Outras acusações pesam contra ele: evasão de divisas por meio de bancos controlados por sua família, contrabando de cigarros piratas (Cartes é o dono da principal empresa de tabaco do país) e conivência com a entrada de facções criminosas no país.
Se a atuação da Justiça paraguaia contra ele será limitada enquanto Peña for presidente, o cenário pode não ser o mesmo em outros países. O Brasil chegou a emitir uma ordem de prisão contra Cartes em 2019 por suposto envolvimento na Lava Jato. O ex-presidente obteve um habeas corpus.
Outra ambição de Cartes é a de que medidas do governo continuem beneficiando seus negócios. Acionista de 25 empresas, ele tem negócios que vão além do tabaco e do setor bancário, chegando aos ramos de supermercados, construção e medicamentos.
No dia da posse de Peña, chamava a atenção a dupla lista de convidados. Na primeira fila, para a cerimônia no Palácio de López, estavam Gabriel Boric (Chile), Lula (Brasil), Alberto Fernández (Argentina), Luis Lacalle Pou (Uruguai) e o rei da Espanha, entre outros. Na fileira onde se sentou Cartes estavam seus amigos, entre os quais os ex-presidentes do Chile (Sebastián Piñera) e da Argentina (Mauricio Macri).
Espera-se que Peña marque limites e governe sem interferências. Não será bom para o Mercosul nem para o resto da região que o Paraguai tenha um presidente manipulado por um ex-líder alvo de acusações.
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