Num momento em que países da Europa discutem apertar o cerco contra migrantes em situação irregular, o papa Francisco, 86, fez nesta sexta-feira (22), durante visita à França, uma defesa enfática da proteção às pessoas que se arriscam nas travessias em busca de melhores condições de vida.
“Pessoas que correm risco de afogamento ao serem abandonadas no oceano devem ser resgatadas. É um dever da humanidade. É um dever da civilização”, disse o papa na cidade de Marselha, diante de um monumento em homenagem aos marinheiros e migrantes mortos e desaparecidos no mar.
O pontífice desembarcou em Marselha nesta sexta para uma viagem de dois dias durante os quais ele participa dos “Encontros do Mediterrâneo”, evento organizado pela Conferência Episcopal Italiana que reúne bispos e jovens católicos da região.
Os fluxos migratórios na rota do Mediterrâneo estão entre os mais perigosos do mundo. Anualmente, milhares de pessoas se arriscam nas travessias numa tentativa de chegar à União Europeia. As viagens muitas vezes são feitas em botes ou outras embarcações precárias e superlotadas. Além do risco de naufrágio, é comum que os migrantes sofram com a falta de água potável ou de alimentos a bordo.
O apelo do papa, feito em uma colina com vista para o mar Mediterrâneo, ocorre num momento em que líderes da Europa lidam com alto fluxo migratório e tentam conter a chegada de pessoas em situação irregular. A crise ganhou novos contornos na semana passada, quando mais de 10 mil migrantes desembarcaram na ilha italiana de Lampedusa em apenas dois dias.
A chegada recorde de migrantes em Lampedusa superlotou os centros de acolhimento da ilha, cuja população é estimada em 6.000 pessoas. Dois bebês, um deles recém-nascido, morreram nas travessias.
Em resposta, o governo italiano anunciou medidas para tentar conter a chegada de pessoas em situação irregular. A mais severa das novidades é o aumento do prazo que um migrante em status considerado ilegal pode ficar detido antes de ser repatriado. O número passou de três meses, prorrogáveis por mais 45 dias, para 18 meses, no limite máximo do que estipula a norma da União Europeia.
Sem citar o nome de países, o papa Francisco disse que as nações devem superar a “paralisia do medo e do desinteresse” e acolher os migrantes para “cuidar dos mais fracos”. Também afirmou que as pessoas em situação irregular não devem ser tratadas como “mercadoria de troca”, alertando para “os dramas dos naufrágios por vezes provocados por contrabandos repugnantes e pelo fanatismo da indiferença”.
“[Os migrantes] não são números. São nomes e sobrenomes, são rostos e histórias, são vidas rompidas e sonhos destroçados […] Frente a semelhante drama, as palavras não servem, e, sim, os fatos”, disse o pontífice. “Nós, os crentes, devemos ser exemplares na acolhida recíproca e fraterna”, acrescentou.
O papa ainda agradeceu a organizações que atuam em defesa dos migrantes e que, segundo ele, muitas vezes são impedidos de atuar devido a “gestos de ódio”. Desde janeiro, mais de 2.000 mortes foram registradas durante a travessia do Mediterrâneo, número que, segundo ativistas, é subnotificado.
Em Marselha, o papa Francisco ainda deve participar de uma cerimônia em homenagem às pessoas desaparecidas no mar aos pés da basílica de Notre Dame de la Garde (Nossa Senhora da Guarda). O pontífice, acompanhado de migrantes e líderes religiosos, deve depositar uma coroa de flores brancas e amarelas aos pés do memorial, formado por uma Cruz de Camargue, que une uma cruz, uma âncora e um coração.
Segundo a Frontex, a agência de fronteiras da União Europeia, o número de entradas irregulares em países-membros do bloco em 2022 aumentou 64% em relação ao ano anterior e chegou ao nível mais alto desde 2016, quando a cifra foi pouco superior a 500 mil. De acordo com o órgão, no ano passado foram registradas 330 mil entradas em condições ilegais. Cerca de 10% dessas migrações foram realizadas por mulheres, e 9%, por menores.