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Palestinos em Gaza dizem ter voltado à Idade da Pedra – 27/11/2023 – Mundo

Namzi Mwafi, 23 anos, tem um único trabalho, dia após dia: encontrar água para sua família.

Dezenas de membros de sua família estendida estão abrigados juntos em um apartamento de dois quartos em Rafah, no sul da Faixa de Gaza, perto da fronteira do território com o Egito. A mais velha, sua avó, tem 68 anos; o mais novo, um primo, tem 6 meses.

Para mantê-los vivos, Mwafi acorda às 4h da madrugada, passando horas esperando por água em um posto de abastecimento lotado. Às vezes, ele tem que lutar para manter seu lugar na fila e, às vezes, não sobra nada quando chega a sua vez.

Quando tem sorte, ele empurra seu carrinho pesado para casa pela areia, e a família raciona a água para cerca de um copo por dia cada um.

Segundo as agências da ONU que operam lá, praticamente não há gás ou qualquer outro combustível em Gaza, então alguns construíram fornos improvisados de barro ou metal para cozinhar. Lenha e carvão também praticamente acabaram, levando as famílias a queimar portas, persianas e molduras de janelas desmontadas, papelão e mato. Alguns simplesmente não cozinham, comendo cebolas e berinjelas cruas em vez disso.

“Voltamos à Idade da Pedra”, diz Mwafi.

Em resposta ao devastador ataque de 7 de outubro a Israel pelo Hamas, o grupo que governa a Faixa de Gaza, Tel Aviv impôs o que chamou de cerco completo —cortando quase toda a água, comida, eletricidade e combustível para os mais de 2 milhões de palestinos que vivem no território palestino. Também lançou milhares de ataques aéreos no enclave e enviou tropas terrestres para tentar erradicar o Hamas.

Uma breve trégua, a primeira desde o início da guerra há sete semanas, começou a se estabelecer na sexta-feira (24), e como parte de um acordo de reféns entre Israel e o Hamas, dezenas de caminhões com água e outros auxílios humanitários vitais cruzaram para Gaza.

Ainda assim, foi muito menos do que o que normalmente entrava no território antes da guerra, e não havia indicação de que o fluxo mais livre de ajuda duraria além da trégua acordada de quatro dias.

Antes da pausa, pouca ajuda humanitária —muito aquém do que os palestinos precisam— estava chegando. E assim, do norte ao sul, em acampamentos, apartamentos, escolas e hospitais, os moradores amontoados em espaços cada vez menores lutam todos os dias para suprir suas necessidades mais básicas.

Sobreviver se tornou uma tarefa perigosa em tempo integral.

Os dias começam bem antes do amanhecer. As tarefas parecem simples: buscar água. Assar pão. Comprar fraldas. Permanecer vivo.

Mas as pessoas nem sempre têm sucesso.

A água mineral transportada para o território em comboios de ajuda tem sido suficiente para apenas 4% da população, segundo o Programa Mundial de Alimentos da ONU. Alguma água dessalinizada ainda está sendo distribuída no sul, mas o norte não tem mais fontes de água potável, segundo a organização multilateral. As pessoas que não têm acesso à escassa água mineral e dessalinizada dependem de água salobra de poços, que a entidade afirma não ser segura para consumo humano.

A farinha também está acabando, e a maioria dos moinhos de trigo foi bombardeada, ainda segundo a ONU. As agências humanitárias conseguiram entregar pão, atum enlatado e barras de tâmaras a cerca de um quarto da população desde 7 de outubro, mas a distribuição é prejudicada pelos combates e pelo cerco, de acordo com o Programa Mundial de Alimentos. Alguns agricultores estão abatendo seus animais, trocando seus meios de subsistência futuros pela emergência imediata.

O Programa Mundial de Alimentos alertou que apenas 10% dos alimentos de que Gaza precisa entraram no território desde o início da guerra, criando “uma enorme lacuna alimentar e fome generalizada”.

“Farinha de trigo, leite, queijo, ovos e água mineral desapareceram completamente” no mercado, declarou Alia Zaki, porta-voz do Programa Mundial de Alimentos, neste mês.

O colapso do sistema de esgoto e o deslocamento de cerca de 1,7 milhão de palestinos, que se refugiaram em acampamentos e se aglomeraram nas casas de parentes, também provocaram uma crise de higiene e doenças que a Organização Mundial da Saúde (OMS) alerta que podem piorar muito.

Diarreia, sarna e piolhos estão se espalhando pela população, atingindo especialmente as crianças mais novas.

Lojas vazias e bancos fechados

A energia foi cortada. Mwafi disse que se formou na faculdade com um diploma em engenharia da computação um mês antes da guerra. Ele sonhava com uma vida no Canadá como cinegrafista e havia acabado de começar a se aventurar na criação de conteúdo. Suas redes sociais antes de 7 de outubro mostram um jovem com um sorriso radiante em sua formatura, cercado por amigos e familiares.

Suas postagens eram totalmente otimistas, cheias de citações do Alcorão e afirmações da cultura pop sobre viver positivamente, amor, amizade e esperança. Agora, todas elas são sobre sobreviver.

“Nossa estratégia agora se baseia em sobreviver pelo maior tempo possível”, disse ele.

A grande maioria das lojas agora está fechada ou vazia, e as pessoas estão principalmente comprando e vendendo bens informalmente, de acordo com a ONU. Com a falta de eletricidade e a maioria dos bancos fechados, os poucos que têm dinheiro não podem obtê-los. Mesmo que pudessem, não há muito para comprar.

Crise sanitária cresce

Aya Ibrahim, 43, está se abrigando com seus filhos em uma escola administrada pela ONU no campo de Nuseirat, no centro de Gaza.

“Os banheiros aqui são muito ruins. Estão todos entupidos porque não temos água”, diz ela. Os homens e meninos, incluindo seus dois filhos adolescentes, dormem perto dos banheiros, as mulheres em uma sala de aula no andar acima.

“O cheiro está nos matando.” Algumas mulheres preferem se aliviar em um balde atrás de uma cortina improvisada na sala de aula onde dormem.

Ibrahim afirma que a ONU distribuiu um pacote de absorventes para as 30 mulheres que compartilham a sala de aula com ela.

Amal, outra mulher no mesmo abrigo, diz que estava tão desesperada por causa da falta de absorventes que começou a tomar pílulas anticoncepcionais para suspender totalmente sua menstruação.

Crianças adoecidas

Quando seus irmãos fugiram do norte de Gaza, Ahmed Khaled, 39, disse que ficou para trás para manter viva sua mãe, que não consegue andar. O Exército israelense havia alertado as pessoas para irem para o sul, mas ele disse que sua mãe era muito frágil para se mover.

“Eu não posso deixá-la sozinha”, contou ele por telefone no início deste mês. “Além disso, nenhum lugar é seguro.”

Então, enquanto os projéteis e bombas israelenses caíam nas proximidades, ele disse que levou sua mãe, sua esposa e suas três filhas para um complexo escolar da ONU na cidade de Beit Lahia, ao lado de milhares de outras pessoas deslocadas.

Khaled afirmou que estava tentando fazer as pazes com essa decisão à medida que a guerra se intensificava ao seu redor e a vida se tornava cada vez mais insustentável.

Segundo ele, a família estava sobrevivendo com arroz e água suja, e a única loja ainda aberta tinha prateleiras quase vazias. Ainda assim, narrou, ele tinha que sair e tentar encontrar comida.

“Eu vou a pé ou de bicicleta para a loja, sem saber se vou voltar.”

“Todas as crianças estão doentes aqui”, acrescentou. “Diarreia e dor de estômago. É muito sujo.”

No dia seguinte à entrevista, em 18 de novembro, a escola onde Ahmed estava abrigado foi bombardeada junto com outra escola da ONU no norte de Gaza. O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse estar “profundamente chocado” por duas escolas da entidade onde as famílias buscaram abrigo terem sido atingidas em menos de 24 horas, acrescentando que dezenas de pessoas foram mortas e feridas.

O Exército israelense afirmou que estava analisando o episódio.

A reportagem não conseguiu entrar em contato com Khaled desde então.

Fonte: Folha de São Paulo

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