Trinta e dois anos depois de ter sua icônica estátua derrubada na praça à frente da sede da temida KGB, Félix Dzerjinski está de volta às ruas de Moscou na forma de um novo monumento, erguido por ordem do governo de Vladimir Putin.
Um poderoso aliado do presidente russo, o chefe do SVR (Serviço de Inteligência Estrangeiro, na sigla russa), Serguei Narichkin, presidiu a solenidade em que a estátua foi desvelada na entrada da sede do órgão que dirige.
“Ele permaneceu fiel aos seus ideais até o fim. Os ideais de bondade e de justiça”, afirmou o Narichkin, um dos expoentes da ala “siloviki”, os “durões” oriundos dos serviços de inteligência e segurança da Rússia, como o próprio Putin, um ex-oficial obscuro da KGB que, em 1998, assumiu o comando do principal órgão derivado da antiga polícia secreta, o FSB (Serviço Federal de Segurança).
Historiadores e dissidentes, para não falar de populações contrárias ao domínio soviético em países como a Ucrânia, discordariam da avaliação do chefe espião. Dzerjinski (1877-1926) fundou em 1917 a Tcheká (Comissão Extraordinária, na abreviação russa), ente que visava garantir o controle dos comunistas sobre o Estado em formação que viraria a União Soviética cinco anos depois.
Conhecido como implacável contra tudo que fosse tachado de contrarrevolucionário, ele foi o pai da era conhecida como o Terror Vermelho soviético, os anos de consolidação da nova classe dirigente, cujos métodos inspiraram momentos mais agudos da ditadura, como nos expurgos dos anos 1930 operados por Josef Stálin (1878-1953).
Ao longo dos anos, a Tcheká desenvolveu-se como um Leviatã, com diversas agências subalternas, com o mesmo espírito da polícia secreta Okhrana czarista que sucedeu. A mais famosa dela foi a KGB, usualmente indistinguível de outros orgãos no imaginário popular do Ocidente. Outra foi o INO (Departamento de Relações Exteriores da Tcheká), que virou o Primeira Diretoria Principal da KGB e cujo sucessor legal é o SVR de Narichkin.
“A estátua é uma cópia menor”, afirmou o diretor acerca do novo monumento, visualmente igual ao colosso de cobre com 14 toneladas e 6 metros de altura que adornou a praça Lubianka, em frente ao grande prédio da KGB, de 1958 a 1991.
Ele foi derrubado na noite de 22 de agosto do último ano de existência da União Soviética, que evaporou no Natal de 1991. Foi o símbolo da derrota do golpe que a linha-dura da KGB e alguns membros das Forças Armadas haviam dado contra o último líder do país, Mikhail Gorbatchov, que ao ser reinstalado no já não detinha poder real.
O império comunista de 15 nações implodiu, e com ele foram ao chão muitas estátuas do luminares do regime. A de Dzerjinski é provavelmente a mais famosa, tendo sido removida para uma área ao lado do parque Górki, no centro moscovita.
Com o passar do tempo, outras estátuas caídas foram levadas para o local, que virou uma popular atração turística, com cerca de 700 esculturas. O fundador da União Soviética, Vladimir Lênin (1877-1924), teve mais sorte e até hoje monumentos a ele são encontrados na Rússia e em outras ex-repúblicas soviéticas —com maior intensidade quanto mais a leste se vai.
O fundador da Tcheká já tinha uma pequena estátua junto ao prédio da Polícia Criminal em Moscou desde 1995, mas foi em 2021, um ano antes da Guerra da Ucrânia, que seu monumento original quase voltou para o local em que foi derrubado, mas a prefeitura desistiu da ideia.
O próprio Putin rebatizou uma unidade policial de elite com seu nome soviético em 2014, a Divisão Dzerjinski, mas seu trabalho de reescrever a história recente sob os olhos de um passado idealizado fala mais sobre nacionalismo e a ideia de grandeza do Estado soviético, e não de volte ao comunismo.
Essa tendência fica evidente nos paralelos históricos que o presidente saca quando fala da guerra que iniciou contra a Ucrânia em 2022, chamando o governo do país que foi grande palco de batalhas entre alemães e soviéticos na Segunda Guerra Mundial de neonazista.
A disputa está por todo lado, como a substituição no mês passado da insígnia do Estado soviético da mais importante estátua de Kiev, a Mãe Ucrânia, pelo brasão nacional do país. Em países como as três repúblicas do Báltico, há disputas constantes com Moscou devido à remoção de monumentos em homenagem aos combatente soviéticos, equiparados aos nazistas como invasores nos museus locais.