Em 8 de outubro de 2023, o grupo fundamentalista libanês Hezbollah disparou os primeiros foguetes em apoio aos terroristas palestinos do Hamas, que haviam perpetrado o maior ataque contra Israel em 50 anos na véspera.
“A paciência acabou. Passamos 11 meses atacando de forma cirúrgica, para ver se o Hezbollah entendia o recado”, disse nesta terça (24) à Folha o major Rafael Rozenshein, um dos porta-vozes das IDF (Forças de Defesa de Israel, na sigla em inglês).
Ele o disse em português com o sotaque adquirido pelas duas décadas em Israel, para onde este carioca migrou quando tinha 20 anos. Hoje, está na linha de frente a batalha midiática da guerra do Oriente Médio, que reputa tão vital quanto a militar.
Os ataques ao longo desse meses deixaram centenas de mortos, mas não evoluíam a uma guerra aberta como a de 2006, a mais recente entre os rivais, nem para um conflito regional com o Irã, patrono tanto dos libaneses quanto do Hamas.
O motivo é o temor de riscos existenciais para os envolvidos —no caso de Teerã, pelo quase certo envolvimento das forças americanas na região. Não por acaso, até agora ficaram no ar as ameaças de retaliação pela execução atribuída a Israel do chefe do Hamas, Ismail Haniyeh, no Irã.
“Se não atacássemos o Hezbollah agora, o próximo 7 de outubro seria no norte de Israel”, disse. Ele falava especificamente do ataque em Beirute que matou boa parte da cúpula da Força Radwan, unidade de elite do Hezbollah que tinha como missão planejar a infiltração e, ao menos nos planos, a ocupação da região da Alta Galiléia.
Há provas de que isso iria ocorrer agora? “Sabemos que algo grande estava para acontecer, mas não o detalhe. Mas o objetivo da Força Radwan é público”, disse Rozenshein, que conversou com a reportagem na sede de sua unidade, em Tel Aviv.
Ele, assim como todo o governo israelense, não comenta nem confirma a autoria da faceta mais espetaculosa da recente escalada —o ataque com pagers e walkie-talkies que carregavam explosivos, que matou em dois dias 39 pessoas e feriu cerca de 3.000 no Líbano.
A ação, contudo, tem DNA israelense, que analistas do país e observadores militares nem disfarçam em conversas reservadas. Ela ocorreu no dia em que o retorno dos 60 mil moradores que deixaram suas casas devido ao atrito no norte foi colocado como prioridade da guerra.
De lá para cá, os ataques de lado a lado, com destaque para a maior ação conta os libaneses desde a guerra civil no país árabe (1975-1990) na segunda (23), tomaram as manchetes do conflito.
Rozenshein nega a leitura, ampla na sociedade civil israelense, de que o foco movido ao norte serve para ofuscar o atoleiro no combate ao Hamas em Gaza e o fracasso no resgate dos talvez 64 reféns tomados há quase um ano que ainda estão vivos nas mãos dos terroristas.
Militar, ele não faz considerações políticas acerca das intenções de Binyamin Netanyahu de permanecer como premiê com o prolongamento da guerra, mas diz que o resgate dos reféns segue sendo a primeira prioridade do conflito.
No norte, a prioridade adicionada na semana passada inclui a destruição das capacidades de lançamento do Hezbollah e de seu infraestrutura no sul libanês. Além disso, as IDF querem tirar o grupo da região.
Isso significa que, caso os fundamentalistas cumprissem a resolução 1701 da ONU e deixassem o sul libanês para uma força de paz e para o Exército regular libanês, Israel se daria por satisfeito? “A 1701 não teve sucesso”, afirmou, sugerindo que talvez o tempo para tal recuo tenha ficado para trás.
Ele se queixa de quando a mídia chama o que está ocorrendo de escalada por parte de Israel. “Que país soberano do mundo, com condições para se defender, aceitaria isso? Imagine se São Paulo fosse atacada com foguetes todos os dias? Se a população de Santos tivesse de ser retirada?”, compara.
Desde o início da etapa atual do conflito, o Hezbollah disparou mais de 5.000 foguetes, mísseis e drones contra Israel, segundo o referencial Instituto para Estudos de Segurança Nacional. Mas tem guardado seus mais poderosos ativos, estimados na comunidade de inteligência em 30 mil modelos de grande precisão.
O major não diferencia Hamas do Hezbollah, ainda que o grupo libanês seja uma organização mais complexa, com forte presença assistencial e política no Líbano. “Eles se juntaram ao Hamas, um grupo que matou, estuprou e celebrou a morte de judeus”, afirma.
Ele lembra que Israel hoje luta em sete frentes, e que o único denominado comum aos inimigos é a determinação pela destruição do Estado de Israel.