A contagem de votos confirmou a pesquisa de boca de urna na eleição parlamentar polonesa, indicando que o partido nacionalista PiS (Lei e Justiça, na sigla local) não conseguiu votos para manter-se no poder pelas próprias pernas.
Assim, a oposição reivindica o direito de formar um novo governo imediatamente, mas o jogo pode estar só começando. Com mais de 95% das distritos eleitorais com votos apurados, o PiS marcava 36,1%, à frente do liberal KO (Coalizão Cívica), com 30%.
Com isso, nenhuma das siglas conseguirá fazer os 231 deputados necessários para ter maioria na Câmara baixa do Parlamento, o Sejm, que tem 460 cadeiras. Só que o PiS só poderia contar com o ultradireitista Confederação a fim de montar uma coalizão, mas a sigla xenófoba teve desempenho fraco, com 7,2% dos votos.
Já a KO tem um acordo com os dois partidos que ficaram em terceiro e quarto lugares, o centro-direitista Terceira Via, que marcava 14,4%, e o esquerdista Nova Esquerda, com 8,4%. Essa amálgama garante a formação do governo.
Só que na Polônia a prerrogativa para convidar uma sigla para formar governo no Parlamento é do presidente. E Andrzej Duda, no poder desde 2015, já disse que iria fazê-lo a quem tivesse mais voto na eleição —e foi o PiS, aliás seu partido também.
É um processo que pode levar qualquer coisa de duas semanas a dois meses, e políticos da oposição temem que o PiS faça alguma manobra jurídica no processo para ficar no poder. Manipular as regras é especialidade do partido, que promoveu uma reforma para enfraquecer o Judiciário que é objeto de contestação na União Europeia que a Polônia integra.
“Nós exigimos do presidente que o campo democrático possa escolher o candidato a primeiro-ministro. E o candidato natural é Donald Tusk”, afirmou o deputado da KO Cezary Moczyk, referindo-se ao líder do seu partido, que ocupou o cargo de premiê de 2007 a 2014.
Nesta segunda, a pressão não pareceu afetar Duda, que apenas disse que esperaria o resultado final da contagem na terça (17) e que estava feliz com a grande participação do eleitorado: mais de 70% dos elegíveis a votar foram às urnas, maior índice desde a histórica eleição que enterrou o comunismo no país em 1989.
A provável saída do PiS do poder, se ocorrer, está sendo celebrada como uma vitória em vários países europeus. O partido é um dos diversos exemplares oriundos da vaga conservadora e nacionalista dos anos 2010, que legou ao mundo Donald Trump nos EUA, Jair Bolsonaro no Brasil, o Brexit no Reino Unido e, também no Leste Europeu, Viktor Orbán na Hungria.
O PiS promoveu, além de sua campanha para enquadrar o Judiciário com câmaras para disciplinar juízes e a indicação política de magistrados, diversas agendas que vão na contramão da maioria da UE: restringiu ainda mais o aborto no país, que é extremamente católico, perseguiu direitos de pessoas LGBTQIA+.
Mas a reversão dessas medidas não é tão simples agora, em particular a questão judicial, enquanto Duda estiver no poder —seu mandato acaba em 2025. Na Polônia, toda legislação pode ser vetada pelo presidente, e dificilmente ele permitiria mudanças radicais de rumo.
Isso pode, na visão de observadores locais, basicamente travar o trabalho que Tusk nesse campo, se ele acabar mesmo sendo o novo premiê.
Já a guinada militarista do país, que a partir de 2020 embarcou num festival de contratos para compras de armas que já supera os R$ 325 bilhões e vai gastar inéditos 4% do PIB em defesa neste ano, cortesia da guerra na vizinha Ucrânia, não deverá ser amainada.
A Polônia tem uma posição de força dentro da Otan, a aliança militar ocidental que mais ou menos espelha a União Europeia em composição, com a exceção mais notável do chefe do clube, os EUA, e do Canadá.
Já o afastamento de Varsóvia de Kiev, apesar da ojeriza compartilhada pelos líderes locais à Rússia, tende a ser revertido. Duda foi presidente do Conselho Europeu de 2014 a 2019, e já disse diversas vezes ser contra a política isolacionista que o premiê Mateusz Morawiecki havia imposto ao país.
Nos últimos meses, o governo do PiS embargou a compra de grãos ucranianos, temendo perder votos entre os produtores locais, e declarou que não iria mais enviar armas para a Ucrânia. Isso tende a mudar agora, o que é ótima notícia para Volodimir Zelenski.
A pressão da UE também será testada na Eslováquia, que elegeu um partido pró-Rússia e contra o apoio à Ucrânia há duas semanas. Mas, para formar a coalizão governista, a sigla Smer precisou unir-se ao Hlas, agremiação que é favorável à manutenção da política externa atual.
É uma dinâmica ainda incipiente, mas se os eslovacos mantiverem seu apoio e o PiS for chutado do poder no Parlamento, Zelenski terá o que comemorar enquanto não começa a campanha eleitoral americana, o real teste sobre a persistência do apoio financeiro e militar do Ocidente à Ucrânia.