O secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, decidiu não renovar o mandato da conselheira especial para a prevenção do genocídio, Alice Nderitu, que tem sido alvo de críticas de grupos palestinos.
Nderitu não classifica de genocídio as ações de Israel na Faixa de Gaza em suas declarações, o que tem gerado críticas de grupos que pedem mais ênfase da conselheira da ONU especializada no assunto.
Em comunicados desde o início do conflito no Oriente Médio, Nderitu condena os ataques do Hamas que deram origem à guerra, assim como a escalada militar israelense em Gaza e as mortes de civis na região.
Ela, no entanto, não usa o termo genocídio para classificar o desdobramento do conflito em Gaza. No site de seu escritório na ONU, há ainda uma nota técnica explicando o conceito jurídico de genocídio, seus usos e diferenças para outros crimes previstos no direito internacional.
O porta-voz adjunto do secretário-geral da ONU, Farhan Haq, afirmou que são falsos os relatos de que a demissão de Nderitu estaria relacionada a pressões pelos seus posicionamentos sobre o conflito.
“O contrato está chegando ao fim hoje, mas ela cumpriu seu mandato completo, e o secretário-geral certamente aprecia o trabalho que ela fez como conselheira especial”, disse Haq nesta terça-feira (26), em entrevista coletiva. “Em relação à definição de genocídio, qualquer ideia de que o o secretário-geral queria que seu mandato terminasse por causa disso é simplesmente falsa.”
Haq reforçou que nem a conselheira nem Guterres são responsáveis por decidir se houve ou não genocídio em determinadas situações, e que o termo é definido estritamente pelo direito internacional.
A conselheira, no cargo desde 2020, não se manifestou a respeito do fim de seu mandato, e seu escritório não respondeu a pedidos de comentário até a publicação deste texto. Ela possui experiência na liderança de mediação de conflitos étnicos em países como Nigéria e Quênia, sua terra natal.
As críticas a Nderitu começaram nas semanas que se seguiram ao ataque do Hamas a Israel e à subsequente reação de Tel Aviv em Gaza. Organizações palestinas disseram-se alarmadas pela falta de alertas, na primeira declaração da conselheira sobre o assunto, de que a situação no território conflagrado poderia resultar em um genocídio.
“Instamos você a tomar todas as medidas ao seu dispor, conforme exigido pelo seu mandato, para prevenir o genocídio em curso em Gaza, incluindo a mobilização da comunidade internacional, especialmente de Estados terceiros, para cumprir suas obrigações legais e intervir urgentemente para esse fim”, dizia nota assinada por diversos grupos palestinos em dezembro de 2023.
“A flagrante ausência de qualquer ação em resposta às atrocidades em massa sofridas pelos palestinos em Gaza levanta preocupações significativas sobre a capacidade da conselheira especial de executar seu mandato com a devida eficácia e imparcialidade”, dizia em carta a Guterres um conjunto de organizações palestinas, como o Conselho Palestino de Organizações de Direitos Humanos, esta datada de fevereiro.
A carta foi enviada ao secretário-geral dias após decisão na Corte Internacional de Justiça (CIJ) sobre processo da África do Sul contra Israel que tratava de eventual crime de genocídio. Os magistrados do tribunal, na ocasião, ordenaram que Israel tomasse medidas para evitar que um genocídio fosse cometido, mas não exigiram um cessar-fogo nem afirmaram que Tel Aviv havia já quebrado a Convenção sobre Genocídio, de 1948.
A Confederação Israelita do Brasil (Conib), afirmou em nota que a não renovação do mandato da conselheira é “mais uma prova do declínio” da ONU. “O sistema ONU há muito perdeu legitimidade para tratar do conflito entre Israel e os grupos terroristas islâmicos, e o afastamento da conselheira é mais uma prova do declínio de uma organização tão necessária para o mundo, mas que perdeu seu compasso moral nessa área”, diz.
“[Há] uma inabilidade da ONU de conseguir agir de acordo com a sua Carta. Ela não tem mais a capacidade, é ineficaz. Em vez de ela ser forte e essa força vir da liberdade, da democracia e dos direitos humanos, parece que a ONU virou um instrumento de países que são antidemocráticos e antidireitos humanos”, afirma André Lajst, cientista político e diretor executivo da ONG StandWithUs Brasil.