O secretário-geral da ONU, António Guterres, ecoou uma pauta há muito defendida pela diplomacia brasileira em seu discurso na abertura da Assembleia-Geral da entidade nesta terça-feira (19) —a reforma do Conselho de Segurança, órgão mais poderoso do organismo multilateral.
O fórum tem cinco membros permanentes com poder de veto, China, Estados Unidos, França, Reino Unido e Rússia. Guterres admitiu que reformas são uma “questão de poder” e que a competição por um lugar no conselho envolve muitos interesses diferentes. Mas, acrescentou, a alternativa a uma mudança não é a manutenção do status quo, mas uma fragmentação ainda maior.
“É reforma ou ruptura”, resumiu. “A governança global está presa no tempo. O mundo mudou. Nossas instituições, não. Não podemos abordar de forma eficaz os problemas como eles são se as instituições não refletirem o mundo como ele é. Do contrário, em vez de resolver os problemas, elas correm o risco de se tornar parte deles.”
O argumento não deixa de ser um mea-culpa em relação à crescente irrelevância do órgão frente um cenário internacional cada vez mais dividido. Sintoma do desinteresse pelo encontro, neste ano apenas um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança, os EUA, foi representado por seu presidente: Joe Biden, anfitrião do evento.
O presidente da França, Emmanuel Macron, alegou um conflito de agendas —ele recebe o rei Charles 3º e o papa Francisco nesta semana. O primeiro-ministro do Reino Unido, Rishi Sunak, optou por permanecer em seu país em meio a crescentes problemas domésticos. Xi Jinping, líder da China, nem seu chefe diplomático mandou, enviando em vez disso o vice para representá-lo. Por fim, o russo Vladimir Putin não participa do evento há anos.
Ao mesmo tempo, Guterres jogou parte da responsabilidade pelos problemas enfrentados pela entidade que lidera para os próprios países-membros dela, afirmando que eles desrespeitam sua carta fundadora. “Se cada país cumprisse suas obrigações conforme estipulado na Carta, o direito à paz estaria garantido. Quando os países quebram essas promessas, criam um mundo de insegurança para todos.”
Uma das determinações do texto, que serve de base para o direito internacional, é que nenhuma nação deve ameaçar a integridade territorial de outra, algo que a Rússia fez ao invadir a Ucrânia em fevereiro de 2022. Também os EUA desafiaram preceitos do documento ao invadir o Iraque em 2003, numa ação vista como ilegal pelo então secretário-geral do órgão, Kofi Annan.
Guterres deu ainda grande importância à crise climática em seu discurso, afirmando que os desastres naturais agravam aqueles “causados pelo homem” em conflitos. “As necessidades estão aumentando e os recursos, esgotando-se.”
Guterres havia iniciado seu discurso com um retrato da situação em Derna, na Líbia, após enchentes que causaram milhares de óbitos —o número exato de vítimas é desconhecido, mas a Organização Mundial da Saúde (OMS), ligada à ONU, afirmou nesta terça que hospitais registraram ao menos 4.000 mortes. “Derna é uma triste imagem do estado do nosso mundo: o dilúvio da desigualdade, da injustiça, da incapacidade de enfrentar os desafios em nosso meio”, disse o português.
Cientistas do World Weather Attribution, projeto de pesquisa internacional que busca determinar o papel da crise climática em eventos específicos, afirmaram que ela foi responsável por um aumento de 50% na quantidade de precipitações no período.