Enquanto Israel faz uma nova incursão terrestre em Gaza, a Assembleia-Geral das Nações Unidas aprovou nesta sexta (27) uma resolução exigindo um cessar-fogo humanitário imediato. O documento foi capitaneado pela Jordânia, em conjunto com os países árabes e islâmicos, e apoiado por 47 Estados-membros, incluindo a Palestina. O texto, no entanto, tem caráter apenas recomendatório, não mandatório.
O placar foi de 120 votos favoráveis, 14 contrários e 45 abstenções. Para ser aprovada pela Assembleia-Geral, que abrange os 193 membros da ONU, uma resolução precisa do apoio de dois terços dos Estados presentes e votantes —um total de 179 nesta sexta.
O Brasil votou favoravelmente.
O documento não cita o Hamas, mas uma emenda apresentada pelo Canadá, e com apoio de 36 Estados, como europeus e americanos, pediu a inclusão de um trecho em que o grupo terrorista é condenado pelos ataques de 7 de outubro e o sequestro de reféns. O adendo também pedia sua soltura imediata a incondicional.
A emenda, no entanto, foi rejeitada ao não ober dois terços de apoio: teve 88 votos favoráveis, incluindo do Brasil, 55 contrários e 23 abstenções.
Antes da votação, os representantes da Jordânia e Paquistão, de um lado, e Canadá, de outro, trocaram ataques. Enquanto o canadense criticou a ausência da menção ao Hamas, justificando a emenda apresentada, o paquistanês afirmou que a resolução tampouco condena Israel —questionando a parcialidade de Ottawa ao enfatizar a ausência do terrorista do documento.
O texto final aprovado exige ainda o respeito ao direito internacional, enfatizando a proteção de civis e objetos civis, e o suprimento de bens e serviços básicos, como água e combustível, à Faixa de Gaza.
Chamando Israel de “Poder Ocupante”, a resolução exige que Tel Aviv revogue a ordem de evacuação do norte de Gaza e “rejeita firmemente qualquer tentativa de transferência forçada da população civil palestina”.
A convocação da Assembleia-Geral acontece diante da paralisia do Conselho de Segurança, instância máxima das Nações Unidas, formado por 15 membros, sendo 10 eleitos e 5 permanentes —estes com poder de veto. Responsável pela garantia da paz e segurança internacional, o grupo fracassou até o momento em dar uma resposta à escalada de violência no Oriente Médio.
Quatro resoluções foram postas para votação, duas pelos russos, que não obtiveram o mínimo de votos necessários, uma pelo Brasil, que teria sido aprovada não fosse o veto dos Estados Unidos, e outra por Washington, que também teria passado, embora com menos votos do que a brasileira, mas foi vetada por Rússia e China.
“Nós ainda acreditamos que nossa primeira proposta de resolução poderia ter sido o melhor resultado possível para o conselho quando nós a apresentamos”, afirmou nesta sexta o embaixador brasileiro na ONU, Sérgio Danese, durante a sessão da Assembleia-Geral.
O diplomata não pediu um cessar-fogo imediato, como outros países que apoiaram a resolução fizeram. “Uma cessação das hostilidades é urgentemente necessária, para que condições para um cessar-fogo completo, durável e respeitado sejam criadas”, afirmou.
A representante americana, Linda Thomas-Greenfield, fez duras críticas à resolução votada pela assembleia nesta sexta, sobretudo pela falta de menções ao Hamas e aos reféns. Ela ainda usou o púlpito para atacar os russos, que, segundo ela, apresentaram textos unilaterais e de má-fé no Conselho de Segurança. “Resoluções parciais são documentos puramente retóricos que buscam nos dividir em um momento em que devemos nos unir”, afirmou.
A diplomata ainda ressaltou que o país apoia pausas humanitárias —algo que inicialmente Washington objetava, mas teve que ceder após pressão de demais membros do conselho. Ela não defendeu o cessar-fogo exigido pelo texto aprovado nesta sexta.
“Diante do cerco, dos assassinatos e do fracasso da comunidade internacional em pedir um cessar-fogo para permitir a entrada de ajuda humanitária, nós expressamos nosso descontentamento com a parcialidade e a seletividade ao lidar com essa crise, e lamentamos a hesitação de apoiar o direito do povo palestino de viver uma vida digna”, afirmou o representante da Arábia Saudita em um duro discurso.
O representante da União Europeia, Olof Skoog, por sua vez, criticou o uso de vetos pelos membros permanentes e o fracasso do conselho em cumprir sua missão. Ele ainda fez um apelo contra a desinformação e conteúdos ilegais espalhados nas redes sociais sobre o conflito, apontando que as plataformas digitais têm uma responsabilidade legal em combater esse problema.
Diferentemente da assembleia, uma resolução aprovada pelo conselho tem caráter mandatório, ou seja, quem descumpri-la pode ser punido. O Brasil trabalha agora em uma quinta proposta, em conjunto com os demais membros não permanentes, na tentativa de driblar um veto de EUA, Rússia e China —França e Reino Unido também têm poder para derrubar resoluções, mas não fazem uso dele desde 1989.
A resolução foi aprovada como um produto da décima sessão de emergência, iniciada em 1997 a pedido do Qatar e convocada de modo intermitente em momentos de agravamento do conflito entre Israel e Palestina desde então.
Veja a íntegra do texto aprovado:
A Assembleia Geral,
Guiada pelos propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas,
Recordando suas resoluções relevantes sobre a questão da Palestina,
Reafirmando a obrigação de respeitar e garantir o respeito ao direito humanitário internacional em todas as circunstâncias, de acordo com o artigo 1 das Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949,
Recordando as resoluções relevantes do Conselho de Segurança, incluindo as resoluções 242 (1967), 338 (1973), 446 (1979), 452 (1979), 465 (1980), 476 (1980), 478 (1980), 904 (1994), 1397 (2002), 1515 (2003), 1850 (2008), 1860 (2009) e 2334 (2016),
Recordando também as resoluções do Conselho de Segurança sobre a proteção de civis em conflitos armados, incluindo crianças em conflitos armados,
Expressando grave preocupação com a mais recente escalada de violência desde o ataque de 7 de outubro e a grave deterioração da situação na região, especialmente na Faixa de Gaza e no restante do Território Palestino Ocupado, incluindo Jerusalém Oriental, e em Israel,
Condenando todos os atos de violência contra civis palestinos e israelenses, incluindo todos os atos de terror e ataques indiscriminados, bem como todos os atos de provocação, incitamento e destruição,
Recordando a necessidade de respeitar os princípios de distinção, necessidade, proporcionalidade e precaução na condução das hostilidades,
Enfatizando que os civis devem ser protegidos, de acordo com o direito humanitário internacional e o direito internacional dos direitos humanos, e lamentando, a esse respeito, as pesadas baixas civis e a destruição generalizada;
Enfatizando a necessidade de buscar responsabilidade, e destacando a importância de garantir investigações independentes e transparentes de acordo com padrões internacionais,
Expressando grave preocupação com a situação humanitária catastrófica na Faixa de Gaza e suas vastas consequências para a população civil, composta principalmente por crianças, e enfatizando a necessidade de acesso humanitário completo, imediato, seguro, sem obstáculos e contínuo,
Expressando forte apoio aos esforços do Secretário-Geral das Nações Unidas e a seus apelos para acesso imediato e irrestrito de ajuda humanitária para atender às necessidades básicas da população civil palestina na Faixa de Gaza, sublinhando a mensagem do Secretário-Geral de que alimentos, água, medicamentos e combustível precisam ser fornecidos em escala, e expressando seu apreço pelo papel crítico desempenhado pelo Egito a esse respeito,
Expressando forte apoio também a todos os esforços regionais e internacionais destinados a alcançar uma cessação imediata das hostilidades, garantir a proteção de civis e fornecer ajuda humanitária,
Recordando que uma solução duradoura para o conflito israelo-palestino só pode ser alcançada por meios pacíficos, com base nas resoluções relevantes das Nações Unidas e de acordo com o direito internacional,
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Exige um cessar-fogo humanitário imediato, duradouro e sustentado, levando a uma cessação das hostilidades;
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Exige que todas as partes cumpram imediatamente e integralmente suas obrigações de acordo com o direito internacional, incluindo o direito humanitário internacional e o direito internacional dos direitos humanos, especialmente no que diz respeito à proteção de civis e objetos civis, bem como à proteção de pessoal humanitário, pessoas fora de combate e instalações e ativos humanitários, e para permitir e facilitar o acesso humanitário para o fornecimento de suprimentos e serviços essenciais a todos os civis necessitados na Faixa de Gaza;
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Exige também o fornecimento imediato, contínuo, suficiente e sem obstáculos de bens e serviços essenciais para civis em toda a Faixa de Gaza, incluindo, mas não se limitando a, água, alimentos, suprimentos médicos, combustível e eletricidade, enfatizando o imperativo, de acordo com o direito humanitário internacional, de garantir que civis não sejam privados de objetos indispensáveis à sua sobrevivência;
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Exige acesso humanitário imediato, completo, sustentado, seguro e sem obstáculos para a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da Palestina no Oriente Próximo e outras agências humanitárias das Nações Unidas e seus parceiros implementadores, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha e todas as outras organizações humanitárias, respeitando os princípios humanitários e prestando assistência urgente a civis na Faixa de Gaza, encoraja o estabelecimento de corredores humanitários e outras iniciativas para facilitar a entrega de ajuda humanitária a civis, e saúda os esforços nesse sentido;
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Exige também a revogação da ordem de Israel, o Poder Ocupante, para que civis palestinos e pessoal das Nações Unidas, bem como trabalhadores humanitários e médicos, evacuem todas as áreas ao norte do Wadi Gaza na Faixa de Gaza e se desloquem para o sul da Faixa de Gaza, recorda e reitera que os civis são protegidos pelo direito humanitário internacional e devem receber assistência humanitária onde quer que estejam, e reitera a necessidade de tomar medidas adequadas para garantir a segurança e o bem-estar de civis e sua proteção, em particular de crianças, e permitir seu livre movimento;
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Rejeita firmemente qualquer tentativa de transferência forçada da população civil palestina;
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Exige a libertação imediata e incondicional de todos os civis que estão sendo ilegalmente mantidos em cativeiro, exigindo sua segurança, bem-estar e tratamento humano em conformidade com o direito internacional;
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Exige respeito e proteção, de acordo com o direito humanitário internacional, de todas as instalações civis e humanitárias, incluindo hospitais e outras instalações médicas, bem como seus meios de transporte e equipamentos, escolas, locais de culto e instalações das Nações Unidas, bem como todo o pessoal humanitário e médico, jornalistas, profissionais de mídia e pessoal associado em conflitos armados na região;
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Destaca o impacto particularmente grave que o conflito armado tem sobre mulheres e crianças, incluindo refugiados e pessoas deslocadas, bem como outros civis que possam ter vulnerabilidades específicas, incluindo pessoas com deficiência e idosos;
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Ressalta também a necessidade de estabelecer urgentemente um mecanismo para garantir a proteção da população civil palestina, de acordo com o direito internacional e as resoluções relevantes das Nações Unidas;
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Enfatiza a importância de prevenir a desestabilização e a escalada da violência na região e, nesse sentido, apela a todas as partes a exercer o máximo de contenção e a todos aqueles que têm influência sobre elas a trabalhar para esse objetivo;
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Reafirma que uma solução justa e duradoura para o conflito israelo-palestino só pode ser alcançada por meios pacíficos, com base nas resoluções relevantes das Nações Unidas e de acordo com o direito internacional, com base na solução de dois Estados;
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Decide adiar temporariamente a décima sessão especial de emergência e autorizar o Presidente da Assembleia-Geral na sua sessão mais recente a retomar a reunião mediante solicitação dos Estados-membros.