“Imagine um apocalipse. Você olha à direita, à esquerda, tudo que vê são edifícios destruídos, danificados por fogo, por mísseis, tudo. É Gaza, bem agora.” Yuval Green, 26, reservista de Israel, atendeu ao chamado às armas no rastro do 7 de outubro, mas decidiu dar um basta e explicou seu motivo moral à BBC. Ele entendeu que a guerra já não é sobre reféns ou o Hamas. E, depois de contemplar o apocalipse, talvez algum colega tenha lhe contado: Netanyahu, o senhor da guerra, pretende ficar em Gaza.
O Corredor de Netzarim, com cerca de 7 km de comprimento e de largura, corta a Faixa de Gaza do Mediterrâneo à fronteira israelense, pouco ao sul da Cidade de Gaza. Imagens de satélite mostram que as forças de Israel destruíram centenas de edificações situadas ao longo do corredor, dando lugar a 19 bases e dezenas de postos militares. O senhor da guerra tem um plano para o pós-guerra: girar os ponteiros do relógio para antes de 2005, quando Israel retirou suas forças e seus assentamentos da Faixa de Gaza.
Há pouco, em setembro, uma coalizão de 57 países árabes e muçulmanos ofereceu uma paz sustentável. “Todos nós queremos garantir a segurança de Israel num contexto de encerramento da ocupação e permissão do surgimento de um Estado Palestino”, esclareceu o ministro do Exterior jordaniano. Seriam três etapas: 1) fim da guerra e retorno dos reféns; 2) uma coalizão internacional hostil ao Hamas sustenta a instalação de um governo da Autoridade Palestina em Gaza; 3) Israel incorpora-se a um acordo regional de segurança destinado a conter o Irã.
O senhor da guerra ignorou a oferta. Por quê? A resposta certa não veio de algum ativista de esquerda que oculta seu antissemitismo na utopia do “Estado único binacional”, mas de Moshe Yaalon, ministro da Defesa de Netanyahu entre 2013 e 2016: “O caminho pelo qual eles nos arrastam é de ocupar, anexar e promover limpeza étnica”.
Netanyahu tem mais que as proverbiais sete vidas. A ofensiva contra o Hezbollah abriu-lhe um atalho de recuperação parcial de popularidade. O cessar-fogo no Líbano permite-lhe concentrar forças em “ocupar, anexar e promover limpeza étnica” em Gaza –mas também em impulsionar a agressão dos colonos contra a população palestina da Cisjordânia. O senhor da guerra nega oficialmente, mas persegue na prática a estratégia ditada pelos ministros supremacistas de seu gabinete. O triunfo de Trump só o encoraja a avançar na rota do desastre.
Um duplo desastre –para os palestinos, já, e para Israel, no horizonte histórico. Meses antes de morrer, em 2018, o escritor Amos Oz proferiu uma palestra seminal (shorturl.at/yruX8). Reiterou que nunca foi um pacifista, registrou o fracasso geral das experiências de Estados multinacionais e acendeu a luz de alerta.
Sem dois Estados, explicou, o que surgirá será um Estado árabe, “do rio até o mar”. O intervalo até tal desenlace poderia ser preenchido por uma ditadura israelense sobre os palestinos ou terríveis violências ou uma etapa de apartheid. Mas a conclusão não mudaria –e os judeus retornariam à condição de minoria perseguida em terra estrangeira. No fim das contas, a demografia manda.
A alternativa encontra-se na proposta árabe de paz, aquela contra a qual o senhor da guerra conduz sua guerra.
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