A vaia foi tão forte que Vandré pegou o microfone e fez um apelo ao público: “Gente, por favor, um minuto só. Vocês não me ajudam desrespeitando Jobim e Chico. A vida não se resume a festivais”. De nada adiantou.
Na rampa que dava acesso ao palco, Tom quase levou um tombo. Culpa do sapato de verniz. “Se escorrego, a vaia seria ainda maior”, confessou ao repórter João Luiz Albuquerque, da extinta revista Manchete.
Depois do anúncio da vitória, as irmãs Cynara e Cybele tiveram que cantar Sabiá mais uma vez. “A vaia começou na primeira nota e só acabou depois da última”, observa Cabral.
“Foi uma vaia retumbante”, descreve Homem de Mello. “Quase raivosa”.
Para Danilo Caymmi, coautor de Andança, com Paulinho Tapajós e Edmundo Souto, tirar o terceiro lugar foi uma sorte. “Se a gente ganhasse, seria um caos. Qualquer música, aliás, que tirasse o primeiro lugar do Vandré seria um problema”. A música Andança foi defendida por Beth Carvalho e Golden Boys.
No recém-lançado O ouvidor do Brasil – 99 vezes Tom Jobim (Companhia das Letras), o jornalista e escritor Ruy Castro descreve a vaia do dia 29 de setembro de 1968 como “a maior da história do Maracanãzinho”.
Autor das biografias de Nelson Rodrigues, Garrincha e Carmen Miranda, Ruy Castro costuma dizer que nunca escreveu a de Tom Jobim porque a vida dele não teve baixos, só altos. Mas, não seria a vaia do Maracanãzinho um “baixo” na carreira de Tom?
“Você chamaria de baixo a conquista de um Festival Internacional da Canção sob vaias? O triunfo sob vaias foi uma constante na carreira de Nelson Rodrigues, e ele achava ótimo. ‘Só a vaia consagra’, dizia”, responde.
“O maior baixo na vida de Tom seria a morte de seu filho num acidente de carro. Mas ele já não estava aqui para ver”. João Francisco Lontra Jobim morreu no dia 22 de julho de 1998, aos 18 anos.
‘O dia mais negro de sua vida’
Terminado o festival, Tom se dirigiu ao estacionamento do Maracanãzinho. Lá, pegou seu fusca e seguiu, sozinho, para a casa do amigo Raimundo Wanderley, no Leblon. “Que loucura!”, não se cansava de repetir.
“O prêmio foi merecido e a vaia, justificada”, afirma Dori Caymmi, um dos autores de Dois dias, a décima colocada, que acompanhou Tom até o estacionamento.
“Merecido porque a música do Tom e do Chico, dois dos nossos maiores compositores, é melhor do que a do Vandré. E justificada porque grande parte do público estava torcendo pelo Vandré. Ele foi muito corajoso ao escrever um hino que incomodava os generais da ditadura”.
No trajeto, Tom pensou no amigo e parceiro Chico Buarque, que estava na Itália: “Ô Chiquinho, veja o que você fez!”.
Quando entrou no Rebouças, túnel que liga a Zona Norte à Zona Sul, chorou: “Um pouquinho só”, admitiu, certa ocasião.
Quem também caiu no choro foi Nelson Motta. De raiva, vergonha e indignação. “Naquele palco, nosso compositor maior e mais querido era enterrado vivo por uma vaia selvagem, furiosa e absurda”, relata o autor do livro Noites tropicais – Solos, improvisos e memórias musicais (Harper Collins) e do espetáculo Tom Jobim Musical, em cartaz no Teatro Casa Grande, no Leblon, no Rio.
Na terceira edição do Festival Internacional da Canção, Nelson Motta, coautor de Dois dias, em parceria com Dori Caymmi, ficou em décimo lugar. A canção foi interpretada por Eduardo Conde.
Paulo Jobim, filho de Tom, descreveu aquele dia como “o mais negro de sua vida”.
Da casa de Raimundo Wanderley, Tom seguiu para casa, na rua Codajás, 108. Lá, o escritor Paulo Mendes Campos e o cartunista Ziraldo, dois dos jurados daquela noite, festejavam sua vitória.
No meio da festa, o telefone tocou. Do outro lado da linha, alguém pediu para falar com Fernando Sabino, um dos convidados. Minutos depois, o escritor avisou: “Acho que a festa acabou. O Sérgio Porto acaba de morrer”. Na mesma hora, o anfitrião deu a festa por encerrada.
No dia 4 de outubro de 1968, Tom Jobim e Geraldo Vandré voltaram a se encontrar. Foi na casa do empresário Roberto Marinho, no Cosme Velho. Compareceram à recepção, entre outros convidados ilustres, Danilo Caymmi, Beth Carvalho, Vinícius de Moraes, Elis Regina e Milton Nascimento.
‘Juiz eu não vou ser. Não vou julgar os meus colegas’