Uma cena sem precedentes se desenrolou numa noite em Manhattan, em outubro de 2023. O prefeito de Nova York saía de um evento quando um grupo de agentes do FBI mandou seus guardas de segurança se afastarem. Entraram no veículo SUV de Eric Adams e tomaram seus dois celulares, além de um iPad. A abordagem ficou em segredo e vazou para a imprensa dias depois.
Na semana passada, a cena se repetiu, na residência oficial. Ainda estava escuro quando os agentes entraram, tomaram de novo um celular de Adams e pediram que ele desbloqueasse o aparelho. O governante, que mereceria carro alegórico se uma escola de samba carioca desfilasse um enredo sobre a malandragem, disse, com a cara limpa, que tinha esquecido a senha do próprio celular.
Nova York não é só a mais populosa metrópole americana. A economia da cidade, de US$ 1,4 trilhão (R$ 7,6 trilhões), é apenas 30% menor do que o PIB de todo o Brasil. A história da região, com as gangues étnicas e as famílias mafiosas formadas a cada nova onda de imigração, foi marcada por corrupção.
Mas um aroma de rachadinha bolsonarista emana do processo de corrupção que o Departamento de Justiça anunciou contra Eric Adams. Ele se tornou o primeiro prefeito da história a ser indiciado no exercício do cargo.
Nesta quarta (2), Adams, que vai ficar em liberdade até ser julgado em 2025, apresentou-se de novo ao juiz e foi avisado de que a lista de cinco acusações deve aumentar. Devido a buscas que atingiram vários assessores —alguns já renunciaram— os promotores federais descobriram uma trilha de corrupção que começou há dez anos e expôs o apetite do prefeito por almoço grátis, especialmente se oferecido pelo governo e empresários da Turquia.
Há indícios de que Adams se elegeu prefeito com ajuda de dinheiro turco, um crime que ele acobertou escondendo a identidade de doadores de campanha. Além disso, ele era arroz de festa em Istambul, para onde embarcava com mordomias presenteadas pela Turkish Airlines, cujo maior acionista é o governo turco.
Adams aparelhou seu governo com a jagunçada brancaleônica que amealhou em décadas como policial, senador estadual e administrador regional do bairro do Brooklyn. Seus aliados são suspeitos de falcatruas como cobrar proteção a empresários e até facilitar o alvará do arranha-céu recém-construído por Recep Erdogan na frente da ONU, em Nova York, cujo sistema anti-incêndio tinha sido declarado perigoso por peritos dos bombeiros.
Só 700 mil nova-iorquinos, nesta cidade de mais de 8 milhões, votaram em Adams. Nas primárias democratas de 2021, ele não era mais conhecido do público do que seus adversários de peso.
Agora ficou mais claro como Adams chegou ao governo de Nova York. Numa reprise da bandalha que aflige três continentes desde a década de 1980, a vitória deste ladrão de galinhas em terno de risca de giz tem nome e sobrenome: Rupert Murdoch.
Uma nova reportagem na revista New York revela como o australiano dono da Fox News planejou em segredo passar seu influente tabloide New York Post como um trator sobre a campanha dos adversários de Adams e dedicou inúmeras capas elogiosas ao então pré-candidato.
Nova York emergia da quarentena da pandemia, que registrou um aumento de crimes e da população em situação de rua. Murdoch turbinou a cobertura alarmista e fez do ex-capitão da polícia mais um suplicante na galeria infame que já incluiu Tony Blair e Donald Trump.
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