O economista Nobel da Paz Muhammad Yunus foi empossado como chefe do governo interino de Bangladesh no início da tarde de quinta-feira (8), três dias depois de a primeira-ministra Sheikh Hasina ser forçada a renunciar e fugir do país após protestos violentos.
“Defenderei, apoiarei e protegerei a Constituição”, afirmou Yunis na cerimônia de posse em Daca, a capital do país asiático, acrescentando que desempenharia suas funções “com sinceridade”. Ele disse ainda espera ajudar a curar o país “convulsionado por semanas de violência”.
Ele chegou a Bangladesh, de Paris, horas antes de tomar posse. Assumir temporariamente o posto foi um pedido dos manifestantes que apoiaram seu nome para conduzir o país à escolha democrática de um novo chefe de governo. Ele afirmou que espera ter “eleições livres e justas” nos próximos meses.
Os líderes estudantis Nahid Islam e Asif Mahmud, que estiveram à frente das manifestações desde julho, farão parte do novo governo interino, informou o jornal Prothom Alo.
Para o economista de 84 anos, os manifestantes salvaram o país. “Qualquer caminho que nossos estudantes nos mostrem seguiremos adiante.”
O primeiro-ministro da Índia, Narendra Modi, congratulou o vizinho e disse ter esperança de um retorno antecipado à normalidade em Bangladesh, segurança e proteção dos hindus de de todas as outras comunidades minoritárias.
“Permaneço comprometido em trabalhar com Bangladesh para realizar as aspirações compartilhadas de ambos os nossos povos por paz, segurança e desenvolvimento.”
O chefe do Exército, Waker-Uz-Zaman, chegou a dizer que esperava que Yunus prestasse juramento como chefe do executivo interino para encaminhar um “belo processo democrático”.
Os protestos em Bangladesh já deixaram mais de 455 mortos desde o início de julho, segundo um levantamento da AFP com base em números da polícia, autoridades do governo e fontes médicas.
O retorno de Yunus a Bangladesh foi facilitado após um tribunal absolvê-lo na quarta-feira (7) de uma condenação a seis meses de prisão proferida em janeiro por violação da legislação trabalhista.
Ele e outros colegas foram acusados de violar as leis trabalhistas por não criar um fundo de assistência aos trabalhadores na Grameen Telecom, uma das empresas fundadas por Yunus. Eles negam. Na época, o Nobel foi libertado sob fiança e partiu para o exterior. Apoiadores do economista e a Anistia Internacional afirmaram que houve motivação política por trás da condenação.
Um dos cidadãos mais conhecidos de Bangladesh, Yunus estava entre aqueles que Hasina considerava uma ameaça política há anos, dizem seus críticos. Agora, aqueles que a derrubaram impulsionaram o prêmio Nobel para uma das posições mais poderosas no novo governo.
Hasina renunciou na segunda-feira (5) sob pressão de uma onda de protestos que começou com um movimento estudantil contra um sistema de cotas para funcionários. Segundo seus críticos, o dispositivo beneficiaria grupos leais à Liga Awami, partido da ex-primeira-ministra.
Com a tensão crescente dos protestos nos últimos dias, centenas de hindus de Bangladesh tentaram sem sucesso fugir para a Índia esta semana depois que muitas casas e empresas da comunidade minoritária foram vandalizadas após a queda da primeira-ministra Sheikh Hasina.
O Conselho de Unidade Hindu Budista Cristã de Bangladesh disse que 45 dos 64 distritos do país viram o direcionamento principalmente de casas, empresas ou templos hindus nesta semana. Um professor foi morto e outras 45 pessoas ficaram feridas, disse.
Os hindus representam cerca de 8% dos 170 milhões de habitantes de Bangladesh, de maioria muçulmana, e tradicionalmente apoiaram em grande parte o partido Liga Awami de Hasina, que se identifica como em grande parte secular, em vez do bloco de oposição que inclui um partido islâmico linha-dura.
Hasina se refugiou na Índia após fugir do país na segunda-feira diante de protestos em massa contra o que críticos chamaram de seu governo autoritário —provocando raiva entre alguns bengalis em relação ao seu vizinho.
ELEIÇÕES EM BREVE
A fama internacional de Yunus, conhecido como “o banqueiro dos pobres” por seu programa de microcrédito, também reconhecido com o Prêmio Príncipe das Astúrias da Concórdia em 1998, o projetou como um possível rival de Hasina, que o acusou de “sugar o sangue” dos pobres.
Muitos bengalis estão esperançosos em relação ao futuro governo interino. “Espero que o governo nacional seja formado com o consentimento de todos e de forma bela”, disse Moynul Islam Pintu à AFP em um comício do Partido Nacional de Bangladesh em Daca.
O presidente Shahabuddin demitiu o chefe da polícia nacional e o Exército reestruturou na terça-feira (6) a cúpula militar e destituiu altos comandantes considerados próximos a Hasina.
O principal sindicato da polícia se desculpou por ter atirado nos manifestantes e os novos responsáveis policiais prometeram realizar uma “investigação imparcial”.
Bangladesh, um país do sul da Ásia com 170 milhões de habitantes, era um dos países mais pobres do mundo no momento de sua independência do Paquistão em 1971.
O desenvolvimento de sua indústria têxtil, que abastece grandes marcas em todo o mundo, gerou um rápido crescimento, com desigualdades, e nos últimos anos o país superou o PIB per capita da Índia.
Yunus nasceu em 1940 na cidade de Chittagong. Ele foi para os Estados Unidos com uma bolsa Fulbright na década de 1960 e obteve um Ph.D. em economia pela Universidade Vanderbilt. Ele retornou a Bangladesh no início da década de 1970 e lançou um projeto que concedia pequenos empréstimos aos pobres.
Em 1983, esse serviço se tornou o Banco Grameen, que cresceu constantemente na década seguinte. Seu sucesso, especialmente na concessão de empréstimos a mulheres, inspirou projetos de microfinança em dezenas de países e recebeu elogios de líderes mundiais.
Yunus e o Banco Grameen receberam o Prêmio Nobel da Paz em 2006 pelo que o comitê do prêmio descreveu como seus esforços para fornecer oportunidades financeiras aos pobres. O modelo não era favorito para todos, no entanto. Alguns operadores de microfinanças enfrentaram acusações de cobrar taxas de juros exorbitantes e de empréstimos predatórios aos pobres.