A vice-presidente dos Estados Unidos, Kamala Harris, estará ausente do púlpito. As fileiras de assentos do lado democrata da Câmara serão visivelmente mais vazias do que as do lado republicano. E as tensões estão tão altas que o presidente da Câmara dos Deputados americano, Mike Johnson, ameaçou prender qualquer pessoa que cause distúrbios no plenário ou na galeria acima.
Quando o primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, chegar ao Capitólio na quarta-feira (24) à tarde para se dirigir a uma reunião conjunta do Congresso, enfrentará um corpo legislativo dividido sobre sua liderança diante da censura internacional sobre a guerra na Faixa de Gaza, com alguns mostrando hostilidade aberta ao governo de um país que deveria ser um dos aliados mais próximos dos EUA.
“Buscarei ancorar o apoio bipartidário que é tão importante para Israel”, disse Netanyahu antes de partir para sua visita a Washington.
Na realidade, sua visita destacará as divisões dentro do Partido Democrata sobre a guerra Israel-Hamas em um momento em que o partido busca se unir em torno de Kamala como sua presumível candidata à Presidência. Ela se recusou a presidir o discurso de Netanyahu, como é tradicional para o vice-presidente, citando um conflito de agenda.
Ela é apenas a democrata mais proeminente que estará ausente —os assentos vazios de um lado da Câmara representarão a profunda raiva da base progressista do partido sobre a conduta de Netanyahu na guerra com o Hamas.
Alexandria Ocasio-Cortez, deputada da ala à esquerda do Partido Democrata, disse que não estará presente no discurso pelo simples motivo de achar que Netanyahu é um “criminoso de guerra” por suas táticas no conflito, que matou dezenas de milhares de pessoas em Gaza e causou um desastre humanitário.
Assim como a deputada Rashida Tlaib — crítica da política israelense—, única americana de ascendência palestina no Congresso. “É totalmente vergonhoso que líderes de ambos os partidos o tenham convidado para se dirigir ao Congresso”, disse em um comunicado. “Ele deveria ser preso e enviado ao Tribunal Penal Internacional.”
Nancy Pelosi, presidente da Câmara entre 2019 e 2023, não disse se estaria presente. Um porta-voz não ofereceu esclarecimentos. Recentemente, Pelosi disse que não achava que o senador do estado de Nova York Chuck Schumer, líder da maioria e crítico de Netanyahu, deveria ter adicionado seu nome ao convite em primeiro lugar.
No Senado, vários membros do caucus democrata, incluindo os senadores Patty Murray de Washington, Jeff Merkley de Oregon e Bernie Sanders de Vermont, disseram que planejam pular o discurso. No lugar de Kamala, o senador Benjamin L. Cardin de Maryland, que preside o Comitê de Relações Exteriores e é fortemente pró-Israel, se sentará ao lado de Johnson e atrás de Netanyahu.
A divisão não é um dinâmica totalmente nova para Netanyahu, que sempre teve uma relação tensa com os democratas do Congresso. Quando ele se dirigiu a eles em 2015, enquanto a administração do presidente Barack Obama trabalhava para fechar um acordo nuclear com o Irã que ele veementemente se opunha, pelo menos 58 democratas boicotaram seu discurso.
Naquele ano, Netanyahu foi convidado pelo presidente da Câmara, John Boehner, um republicano, sem informar a Casa Branca de Obama.
Este ano, Netanyahu está programado para se encontrar com o presidente Joe Biden e Kamala durante sua estadia em Washington. E enquanto Johnson liderou o convite ao Capitólio, os quatro principais líderes do Congresso —incluindo os dois democratas, ainda que relutantemente— o estenderam.
Isso não significa que todos estão felizes em recebê-lo. Schumer este ano pediu para Netanyahu renunciar e para novas eleições em Israel. Em resposta, Netanyahu atacou Schumer em um discurso virtual a portas fechadas para os republicanos do Senado.
Na época, Schumer se recusou a permitir que Netanyahu fizesse um discurso semelhante para os democratas do Senado, argumentando que não era útil para Israel o primeiro-ministro se dirigir aos legisladores americanos de maneira partidária.
Foi Johnson quem pressionou para que Netanyahu falasse ao Congresso, ansioso para abraçá-lo e ao seu governo em um momento em que os democratas estavam profundamente divididos sobre suas políticas e táticas na guerra.
“Nunca foi tão importante quanto agora para nós apoiarmos nosso aliado mais próximo no Oriente Médio”, disse Johnson na terça-feira, criticando Kamala e outros democratas por faltarem ao discurso.
“Ela precisa ser responsabilizada por isso”, disse Johnson sobre a vice-presidente. “A ideia de que estão fazendo cálculos políticos quando nosso aliado está em uma situação tão desesperadora lutando por sua própria sobrevivência e contra o terrível ataque de 7 de outubro é inaceitável para nós.”
Sublinhando a tensão por trás do convite conjunto, líderes republicanos do Congresso emitiram uma declaração separada de Schumer ao anunciar a data do discurso para o qual todos convidaram Netanyahu a dar.
Johnson e o senador Mitch McConnell, republicano do Kentucky, líder da minoria, disseram que o objetivo era o primeiro-ministro “compartilhar a visão do governo israelense para defender sua democracia, combater o terror e estabelecer uma paz justa e duradoura na região”.
Em uma declaração separada, Schumer disse que tinha “discordâncias claras e profundas com o primeiro-ministro, que expressei tanto em particular quanto publicamente e continuarei a fazê-lo”.
Mesmo assim, ex-oficiais de inteligência e segurança israelenses escreveram aos líderes do Congresso na segunda-feira, destacando “preocupações graves” sobre o dano que o discurso causaria aos objetivos compartilhados de Israel e dos Estados Unidos.
“Netanyahu perdeu o apoio do povo israelense e está tentando fortalecer sua coalizão doméstica por meio de uma demonstração de força nos Estados Unidos”, disse a carta, assinada por mais de 30 ex-altos funcionários do país, embaixadores e líderes empresariais. Os signatários incluíam Tamir Pardo, ex-diretor do Mossad, e Dan Halutz, ex-chefe do Estado-Maior das Forças Armadas de Israel.
Os democratas que planejavam comparecer disseram que era importante mostrar apoio a Israel mesmo que se tenha uma visão negativa de seu líder e governo atual.
“Os republicanos vão criar uma divisão em nossa bancada, e eles vêm tentando fazer isso com essa questão há meses”, disse o deputado Jared Moskowitz, democrata da Flórida. “Meus colegas deveriam comparecer. Não se trata de um líder específico, trata-se da relação com o país.”