Alexei Navalni, líder da oposição na Rússia que está preso, já reclamou de ter sido envenenado, agredido e privado de tratamento médico adequado. Nesta segunda (22), ele disse que enfrenta um desafio novo: ser forçado a ouvir um cantor pop pró-Vladimir Putin todos os dias às 5h da manhã.
Navalni está detido em uma colônia penal na região de Iamal-Nenets, área remota no Ártico russo, localizada a 235 quilômetros a leste de Moscou. Sentenciado à prisão por acusações que, segundo ele, foram forjadas para mantê-lo afastado da política, o opositor disse que sua rotina matinal agora inclui ouvir o hino nacional e a música “Eu sou russo”, de um cantor conhecido como Shaman, apoiador de Putin.
O músico, que se chama Iaroslav Dronov, surfou a onda de patriotismo alimentada pela Guerra da Ucrânia para se tornar uma celebridade e referência na televisão estatal. Com a carreira em alta, ele deve participar, em março, do evento de lançamento da campanha de Putin à reeleição.
Uma de suas músicas mais conhecidas, que ele às vezes canta com roupa de couro preto e uma braçadeira nas cores da bandeira da Rússia, diz que os russos não podem ser “quebrados”, “vão até o fim” e carregam o sangue dos seus pais.
O cantor de 32 anos gerou controvérsia em novembro passado quando simulou o disparo de uma bomba atômica em um show transmitido pela televisão estatal ao apertar um botão vermelho em uma espécie de maleta nuclear antes de fogos de artifício explodirem ao seu redor.
Em mensagem na plataforma X publicada por seus advogados, Navalni diz que a rotina que leva na prisão é “surreal”. “O cantor Shaman ficou famoso depois que eu já estava preso, então eu não consegui vê-lo ou ouvir sua música. Mas eu sabia que ele havia se tornado o principal cantor de Putin. E que sua principal música é ‘Eu sou russo'”, escreveu o líder opositor.
“Claro que fiquei curioso para ouvi-la, mas onde conseguiria fazer isso na prisão? Então eles me levaram para Iamal. Aqui, todo dia às 5h da manhã, ouvimos a ordem ‘levantem!’, seguido do hino nacional russo e, imediatamente depois, a segunda música mais importante do país: ‘Eu sou russo’, de Shaman”.
A ironia, segundo Navalni, é que o governo já ressaltou que ele acompanhava nacionalistas russos em marchas anuais que teriam conspirado contra o Kremlin. Agora, anos depois, ele estava ouvindo uma música pop com propósitos educacionais enquanto faz seus exercícios matinais na prisão.
Ativista anticorrupção e considerado inimigo do presidente Vladimir Putin, Navalni cumpre pena de 30 anos e meio de prisão por extremismo. O opositor de 47 anos foi detido em janeiro de 2021 ao retornar à Rússia depois de se recuperar na Alemanha de um envenenamento que, segundo ele, foi planejado pelo Kremlin.
Navalni surgiu na vida pública russa nos protestos de 2012 contra a segunda das três reeleições do presidente, que chegou ao poder em 1999 como primeiro-ministro. Em 2013, o ativista surpreendeu chegando em um robusto segundo lugar (27% dos votos) na eleição para prefeito de Moscou.
Mas foi cinco anos depois que ele ganhou real notoriedade, ao liderar protestos organizados pela internet em todo o país, primeiro contra autoridades do governo, depois contra Putin. Barrado de disputar a eleição presidencial de 2018 por ter uma condenação suspensa em um nebuloso caso regional de corrupção, ele passou a trabalhar por candidatos anti-Kremlin em pleitos locais e nacionais.
Conhecido como “Polar Wolf” (lobo polar), o presídio onde Navalni está é considerado um dos mais rigorosos da Rússia, onde a maior parte dos presos foram condenados por crimes graves. Além disso, no local o inverno é severo, com temperaturas que podem atingir -30°C.
A cerca de 60 quilômetros ao norte do Círculo Ártico, a prisão foi fundada na década de 1960 como parte do que já foi o sistema soviético de campos de trabalho forçado, segundo o jornal Moskovsky Komsomolets.
“As condições lá são severas, especialmente por conta do permafrost [espessa camada de solo congelado]”, disse no mês passado Leonid Volkov, assessor de Navalni, que afirmou ainda ser difícil se comunicar com os prisioneiros do local.