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Morte de Li Keqiang joga luz sobre relação com Xi Jinping – 27/10/2023 – Igor Patrick

Mais do que apenas repentina, a morte do ex-premiê chinês Li Keqiang, falecido em Xangai na madrugada desta sexta (27) vítima de um ataque cardíaco, é simbólica do fim de uma era.

Relativamente novo e até poucos anos atrás visto por parte da cúpula do Partido Comunista como uma opção viável à sucessão de Hu Jintao, Li entra para a história como um líder moderado e reformista; motivos que o fizeram ser colocado de lado pelo colega Xi Jinping.

Cria da Universidade de Pequim, instituição conhecida pelo relativo progressismo, Li talvez tenha sido um dos exemplos mais bem acabados do Partido Comunista pós-Deng Xiaoping e sua política de reabertura.

Ele criou fama de ser um oficial diligente e um exímio economista. Com vazamentos de memorandos do Departamento de Estado americano pelo Wikileaks, por exemplo, ficou famosa a transcrição de uma reunião entre Li, então secretário do Comitê do Partido Comunista em Liaoning, e o embaixador americano, Clark T. Randt Jr., em que o chinês dava pistas de como ler a saúde econômica do país.

Ele confessou a Randt Jr. não acreditar nos dados reportados de crescimento na sua província, preferindo medir o sucesso da economia com base em três indicadores: o volume de carga ferroviária, o consumo de eletricidade e os empréstimos concedidos pelos bancos a empresas. As observações provaram-se tão precisas que passaram a ser utilizadas por diplomatas, empresários e jornalistas no mundo todo no que ficou conhecido como “índice Keqiang”.

Mas seu perfil pragmático, orientado mais para reformas e melhorias na competitividade chinesa e menos para temas políticos também significariam um inevitável racha com Xi Jinping. Os dois subiram juntos ao poder, com Li ocupando o cargo de premiê com as bênçãos do líder anterior, Hu Jintao, e com considerável influência na Liga da Juventude (uma das grandes facções do PC Chinês).

Embora no primeiro mandato de Xi a relação entre os dois tenha sido relativamente harmônica, ela nunca chegou a ser amigável. Mais poderoso, o Xi do segundo mandato minou o poder e a influência das facções internas e, especialmente durante a pandemia de Covid, mandou sinais claros de discordância e desaprovação das ideias de Li.

Ao longo dos piores momentos do controle pandêmico, os dois travaram uma guerra silenciosa. Li alertou publicamente para os riscos e prejuízos advindos da política de Covid zero, apenas para ser desautorizado indiretamente por Xi semanas depois. Em outro momento, o então premiê defendeu apoio a pequenos e médios empresários em todo o país, mas sua ideia foi demovida por um artigo do estatal Diário do Povo que exortava apoio de acordo com a realidade de cada local —um jeito de Xi dizer que discordava da ideia.

São exemplos que ilustram duas personalidades políticas distintas, com Xi claramente priorizando controle ideológico, segurança nacional e primazia do Partido Comunista. Ao ser reeleito para um inédito terceiro mandato, o líder chinês fez praticamente desaparecer de cargos importantes quaisquer membros da Liga da Juventude. Ao se aposentar, Li perdeu a influência que seus antecessores costumavam conservar mesmo depois de sair do cargo.

Em virtude do pouco poder que ainda mantinha, sua morte não representa ameaça direta a Xi e aos legalistas que escolheu promover no ano passado. Mas o contraste entre os dois não deixa de servir como desculpas para quem não está feliz com os rumos do governo externalizar esse sentimento.

Em menos de um ano desde a recondução, Xi demoveu seu chanceler e seu ministro da Defesa, sua política econômica parece não surtir efeito, o desemprego juvenil aumenta e a deflação também. É cedo para decretar o fim do milagre chinês, mas não é impossível atribuir a Xi a responsabilidade por escolhas pouco ortodoxas com impacto direto na conjuntura doméstica e internacional chinesa atualmente.

O risco de uso político do falecimento de Li Keqiang não é desprezível e certamente estará no radar do PC Chinês. No passado, a morte de oficiais comunistas populares, como Zhou Enlai e Hu Yaobang, levou a agitações e protestos. Internautas reagiram à notícia da morte de Li republicando no Weibo a música “Infelizmente não foi você” (可惜不是你) da cantora malaia Fish Leong. O sujeito na frase é oculto, mas os censores fizeram as postagens desaparecerem mesmo assim.


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Fonte: Folha de São Paulo

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