A morte de um migrante que ficou retido em uma área restrita do Aeroporto Internacional de Guarulhos, em São Paulo, despertou a atenção para possíveis violações de direitos humanos. O local é mais uma vez palco de crise devido à falta de infraestrutura para comportar o fluxo migratório no país.
O migrante, proveniente de Gana, morreu no último dia 13 —a causa não foi divulgada. Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, antes de ser levado ao hospital, no dia 11, ele estava na área do aeroporto reservada aos “viajantes inadmitidos”, que não têm documentos ou visto para ingressar no Brasil, e chegou a receber atendimento em um posto médico do local devido a problemas de saúde que tampouco foram especificados.
Procurada, a concessionária GRU Airport disse que o assunto é de responsabilidade da Polícia Federal. Dois dias após a morte, a Defensoria Pública da União (DPU) esteve no local para fazer avaliações e constatou “reiteradas situações de violação de direitos humanos”.
“Foram encontradas crianças e adolescentes dormindo no chão e uma crescente demanda por atendimento de saúde, com muitas pessoas apresentando sintomas gripais”, afirmou a DPU em documento entregue ao Conare (Comitê Nacional para Refugiados), à Polícia Federal, à Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), ao governo de São Paulo e à Prefeitura de Guarulhos.
Ainda segundo o órgão, a prestação de apoio aos migrantes é restrita. A Defensoria anexou no documento a foto de um cartaz fixado no local que contém diretrizes para o tratamento prestado aos inadmitidos, como a orientação de não levá-los a “nenhum lugar”, incluindo saídas para comprar água e ir à farmácia.
“As imagens são representativas de um tratamento inadequado, contrariando a legislação nacional e o dever de tratamento humanitário aos migrantes e potenciais requerentes de refúgio”, afirmou a DPU.
No momento da visita, cerca de 550 pessoas ocupavam a área restrita, segundo o documento, muitos deles sem acesso a cobertores num período em que uma frente fria havia derrubado a temperatura em São Paulo. Nesta quarta (21), 480 pessoas estavam no local, de acordo com a Polícia Federal.
O número reflete o recente aumento do fluxo migratório no país. Levantamento feito pela Polícia Federal e divulgado em uma audiência pública no Senado que ocorreu na semana passada mostra que o aeroporto de Guarulhos registra recorde de solicitações de refúgio em 2024. Somente nos sete primeiros meses do ano, as autoridades receberam 5.428 pedidos, 28% a mais que os 4.239 feitos em todo o ano passado.
Cerca de 70% dos pedidos são feitos por cidadãos do Nepal, Vietnã e Índia. De acordo com autoridades, uma vez em território brasileiro, os migrantes que estão sem visto para desembarcar —segundo as regras no Brasil, um passageiro que apenas usa o país como escala não precisa de visto— recusam-se a concluir a conexão e fazem a solicitação do status de refugiado.
“Tem sido observado um incremento no fluxo de viajantes que chegam em trânsito internacional, mas deixam de seguir viagem, não podendo ingressar no Brasil por falta de visto. Eles acabam solicitando refúgio para entrar no Brasil, ainda que sem a documentação pertinente”, diz nota divulgada pelo ministério. Em razão disso, a pasta informou nesta quarta que vai restringir, a partir da próxima segunda-feira (26), a entrada de migrantes que não possuem visto.
A morte do viajante de Gana tem motivado discussões também no Congresso. Nas redes sociais, o deputado Túlio Gadêlha (Rede-PE), presidente da Comissão Mista Permanente sobre Migrações Internacionais e Refugiados, disse que iria solicitar esclarecimentos urgentes sobre o caso.
Após reunião que ocorreu nesta quarta, a DPU disse em nota ter ouvido da GRU Airport o compromisso pela busca de se garantir acesso à higiene básica e alimentação de todos os migrantes retidos, sob acompanhamento da própria Defensoria e do Ministério Público Federal.
Já o procurador Göpfert disse que, ao menos por ora, não existem indícios de que tenha ocorrido negligência por parte das autoridades ou dos funcionários do aeroporto. “Vimos que estão sendo servidas comidas e que não há uma situação de deixar pessoas passando fome. Não há esse quadro pelo que foi verificado”, afirmou.
O Brasil concede refúgio a cidadãos que fugiram de seus países devido a perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, além de generalizada violação de direitos humanos.