Ano marcado por esperança e frustração, mas que ainda pode terminar com título, mexe com alvinegros e vira fonte até fonte de estudo de psicólogos
Apaixonada pelo Botafogo desde que se entende por gente, Roberta Lucena tem no time do coração o maior elo com o pai, José. Aos 26 anos, a professora e mestranda de Física via em 2023 a temporada mais especial da vida como torcedora e companheira de arquibancada do pai. A expectativa de finalmente comemorar um título de expressão do clube e viver essa alegria ao lado dele era enorme. Assim como foi enorme a frustração conforme a equipe definhava no Campeonato Brasileiro. O baque foi tão grande que ela sentiu a necessidade de levar a temática para ser analisada na terapia.
— Acompanho o Botafogo de manhã, de tarde e de noite, e tudo isso gira em torno da minha conexão com o meu pai. Levei para a terapia, porque estava me deixando muito mal, a saúde mental não estava boa. Nessas últimas derrotas, eu dormia e acordava triste. Estou para entregar minha dissertação do mestrado e não conseguia terminá-la, só pensava no quanto quero viver isso (o título). Minha ansiedade me consumiu num nível em que voltei a roer unha — conta Roberta.
Essa não é uma exclusividade da mestranda. Desde a derrota do time para o Palmeiras por 4 a 3, no dia 1º, chovem relatos de torcedores que abordam as decepções com o Botafogo no divã, enfrentando uma espécie de crise existencial. A ideia consiste em repensar a relação com o time e as prioridades da vida.
— Fiz cálculos sendo campeão no início de novembro, final e em dezembro para saber o que eu teria que fazer para conseguir assistir ao título. Tentei fazer um acordo na empresa que trabalho para conseguir ficar em casa durante o título, mas não ter uma data complicava. Chegou uma hora que eu pensei em me demitir. Minha terapeuta sempre recomendou que eu fizesse um acordo com a empresa, já que eu dizia que precisava ver esse título de qualquer jeito. Ela ficou mais tranquila quando eu disse que o salário estava baixo e que tinha dinheiro guardado, mas sempre reforçou que eu não precisava tomar essa decisão com pressa. Se não fosse por ela, hoje eu estaria desempregado. Ia me demitir antes do jogo contra o Palmeiras, mas felizmente não fiz. Ela me salvou. Depois daquela derrota, me toquei que estava deixando o Botafogo me afetar demais — lembra o oficial de náutica João Vitor Gonçalves.
— Venho enxergando que não é saudável ser assim, principalmente com coisas que não dependem de você. Quando a gente não está satisfeito em uma relação, a gente dialoga, expõe expectativas… Com o time, não pode fazer isso. É depositar todo o amor sem nenhuma garantia de troca. É frustrante. Se formos campeões, ainda será uma prioridade tratar mais isso — diz a publicitária e jornalista Deborah Rocha, de 27 anos.
A recorrência do Botafogo nas sessões de terapia tem chamado a atenção também dos profissionais. Psicólogos ouvidos pela reportagem relataram que o assunto foi tema de um fórum de debate on-line nas últimas semanas.
— Tenho dois pacientes botafoguenses, e, durante o ano, ambos estiveram muito animados. Neste período de queda, começaram a rever a relação com o futebol. Um deles se deparou com uma questão relativa a sucesso e fracasso: “Eu, como torcedor, não posso fazer nada para o Botafogo ganhar”. E, assim, a pensar sobre o que tinha ou não controle — revela o psicanalista Cícero Villela.
Em um país como o Brasil, de relação íntima com o futebol, os profissionais não vilanizam a conexão com o time. Pelo contrário. Professor de Psicologia do Esporte na PUC-Rio, Raphael Zaremba destaca a sensação de pertencimento oriunda “da conexão com outras pessoas que estão com o mesmo espírito”, os vínculos que essa afinidade pode gerar, além da catarse em momentos que permitem “colocar para fora até desconfortos e frustrações”. Mas faz um alerta para casos em que a fronteira do saudável é ultrapassada.
— Pode agravar um possível quadro de ansiedade. Alguns pacientes tricolores passaram por isso na final da Libertadores. E, às vezes, esse sentimento de estar na massa gera comportamentos não tão interessantes, como as brigas, e isso é um malefício individual e coletivo. Não só no futebol, mas em qualquer tipo de fanatismo — analisa Zaremba.