Um turista desavisado talvez estranhasse a forte segurança que circundava uma casinha no meio da floresta do condado de Frederick, em Maryland. Construído como um acampamento para agentes do governo federal, Camp David tem, à primeira vista, pouco do luxo reservado a políticos americanos, mas é neste retiro que o presidente se hospeda quando quer escapar da máquina política de Washington.
E é lá que recebeu convidados importantes demais para a ambientação impessoal da Casa Branca, como acontece nesta sexta (18), quando Biden se encontrou com o premiê japonês, Fumio Kishida, e com o presidente sul-coreano, Yoon Suk-yeol, para uma cúpula inédita entre os três países —e para, esperam os americanos, consolidar uma das parcerias estratégicas mais ambiciosas dos EUA na Ásia em tempos recentes. A Casa Branca nega, mas tudo gira em torno de uma figura que não foi convidada: a China.
Coreia do Sul e Japão têm uma história complicada, devido aos horripilantes crimes de guerra cometidos por Tóquio contra Seul. Enquanto estiveram sob ocupação japonesa, os coreanos foram submetidos a exploração sexual, massacres, escravidão e diversos crimes contra a humanidade. Embora o Japão tenha pedido desculpas oficialmente em 1993 por parte das transgressões cometidas, provocações e exemplos de negacionismo por décadas irritaram os coreanos, impedindo tentativas de aproximação consistentes.
Isso tem mudado sob Yoon. Há cinco meses, o líder sul-coreano deu o primeiro passo ao visitar Tóquio, no primeiro encontro bilateral do tipo desde 2011, e ao defender a normalização das relações com o vizinho. Mais recentemente, usou o tradicional discurso de aniversário da libertação da Coreia da invasão japonesa não para provocar, como era praxe, mas para pedir mais cooperação em segurança e economia.
Ambos os países têm expressado ansiedade em relação a uma China que enxergam como mais assertiva e beligerante. Em 2017, quando manifestou oposição à instalação de escudos antimísseis americanos na península coreana, Pequim aplicou medidas para provocar altos custos econômicos a Seul, proibindo a venda de pacotes de turismo à Coreia do Sul por agências chinesas, impondo barreiras comerciais e essencialmente banindo uma parte significativa da indústria cultural coreana.
Depois, para marcar posição contra a visita de Nancy Pelosi a Taiwan, disparou mísseis de toda sorte, cinco dos quais em águas japonesas. Tóquio ocupou por 50 anos a ilha que os chineses consideram uma província rebelde e frequentemente irrita a China ao indicar que reagiria militarmente em caso de invasão.
Os Estados Unidos fizeram uma leitura de terreno e se aproveitam do bom momento diplomático para capitalizar importante apoio na vizinhança imediata da China. Embora se recuse a admitir que o encontro de Biden foi sobre a competição sino-americana, o linguajar não deixa dúvidas sobre qual era o alvo.
Oficiais seniores da Casa Branca com quem conversei negam a intenção imediata de criar um pacto de tratado de defesa mútua, mas anunciaram que os três líderes assinariam compromissos de cooperação e consultas trilaterais para assuntos de defesa e segurança regional. Os documentos assinados também indicam crescente preocupação com a estabilidade no estreito de Taiwan e falam em defender a “livre navegação” na região, um óbvio desafio aos interesses chineses no mar do Sul da China.
Não surpreende que Pequim chame o encontro de “mini-Otan“, alertando os asiáticos dos riscos e da instabilidade que uma aliança militar formal entre japoneses, coreanos e americanos pode trazer.
Será mais um elemento para a paranoia chinesa em sua já delicada vizinhança imediata, onde já precisa lidar com disputas territoriais com a Índia, desafios de natureza étnica no Cazaquistão, terrorismo no Afeganistão e as queixas de nações do Sudeste Asiático acerca de quem manda nos mares da região.
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