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‘Mídia é cúmplice de genocídio’, diz jornalista de Gaza – 26/11/2024 – Mundo

A jornalista palestina Shahd Safi, 23, não sabe quando poderá retornar à Faixa de Gaza, de onde fugiu devido à guerra iniciada em 7 de outubro de 2023. Embora culpe principalmente Israel por sua situação, ela diz acreditar que a imprensa internacional também tenha uma parcela de responsabilidade.

Naquele dia, o grupo terrorista Hamas se infiltrou no sul de Israel e cometeu massacres, deixando cerca de 1.200 mortos e sequestrando 250 reféns. Desde então, a contraofensiva de Tel Aviv em Gaza já matou mais de 44 mil pessoas.

“A mídia é definitivamente cúmplice desse genocídio. Com raras exceções, tem participado da propaganda que desumaniza os palestinos e contribui para que sejam mortos”, afirma Safi por chamada de vídeo de Nova York, onde vive atualmente.

Ela vem ao Brasil nesta semana como convidada de um seminário na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, organizado pelo recém-inaugurado Centro de Estudos Palestinos (Cepal). Sua mesa, nesta quinta-feira (28), debaterá justamente o papel dos meios de comunicação na guerra no Oriente Médio.

Para Safi, veículos de países do Ocidente apoiam a narrativa de Tel Aviv e minimizam o contexto de décadas de ocupação dos territórios palestinos. Ela também enxerga um viés na cobertura, que descreve vítimas israelenses de forma humanizada enquanto reduz os palestinos a números de mortos e feridos.

Ela se interessou pelo jornalismo por meio do coletivo de escritores We Are Not Numbers (nós não somos números) e passou a atuar como freelancer. Logo antes do 7 de Outubro, estava produzindo uma reportagem sobre um projeto de aulas de teatro para pessoas com deficiência, muitas delas com sequelas de guerras passadas. Mas seus editores lhe pediram que suspendesse esta tarefa porque, nas palavras dela, “cobrir o genocídio era mais urgente”.

Safi, então, passou a escrever relatos sobre sua rotina enquanto tentava sobreviver aos bombardeios israelenses em Rafah, no sul de Gaza. Mas, diferentemente de colegas como Bisan Owda e Motaz Azaiza, ela escolheu não registrar tudo o que viu. “Há limites para o heroísmo. Eu estive muito perto da morte várias vezes, e aquilo me fazia muito mal.”

De acordo com o Comitê para Proteção de Jornalistas, ao menos 137 profissionais da imprensa foram mortos na guerra Israel-Hamas. Já o Sindicato de Jornalistas Palestinos conta 183 trabalhadores da mídia que morreram em Gaza.

“Todo dia eu recebia notícias de que algum jovem escritor como eu havia sido morto. Perdi pessoas muito queridas, como Yousef Dawas, Mahmoud Nouq e Muhammad al-Hobi. Isso me traumatizou. Eu sabia que poderia ser a próxima”, diz Safi.

Em março, ela conseguiu sair de Gaza pela fronteira com o Egito. Foi a primeira vez na vida que pisou fora de lá. “Era uma prisão. Mesmo antes da guerra, tínhamos apenas oito horas de luz por dia. A água era insalubre, percebi a diferença no gosto assim que cheguei ao Cairo”, afirma.

Com área de 360 km², equivalente a um quarto da cidade de São Paulo, o território administrado pelo Hamas vive sob bloqueio de Israel desde 2007.

Safi diz que, assim como a maioria dos palestinos, vê as lideranças políticas com desconfiança. “Embora eu não goste do Hamas, reconheço que são parte do povo palestino. Sentem muita raiva por causa das experiências que passaram e decidiram resistir usando a violência. É isso que explica o 7 de Outubro”, afirma.

Safi se mudou em agosto para os EUA para estudar e não parou de escrever. Ela é bolsista do Bard College, em Nova York. Seus artigos mais recentes, publicados em veículos como Al Jazeera e Middle East Eye, abordam a questão do refúgio.

Sem cessar-fogo em Gaza à vista, ela não sabe se poderá voltar para casa. Teme repetir a sina de seus avós, que nunca puderam retornar após serem expulsos do território onde Israel se estabeleceu em 1948 —o êxodo de 750 mil palestinos naquele ano ficou conhecido como nakba, ou catástrofe, em árabe. “Quando é que nós vamos deixar de ser refugiados?”, questiona Safi.

Fonte: Folha de São Paulo

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