A polêmica reforma judicial proposta pelo presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, no início deste ano, foi discutida nesta segunda-feira (26) em comissão da Câmara dos Deputados do país em meio a greve de juízes e funcionários do Poder Judiciário e manifestações contra o projeto.
Aprovado o texto geral na Comissão de Pontos Constitucionais na noite desta segunda, os deputados debateriam ainda os destaques à proposta.
Depois, o texto irá ao plenário da Casa, onde a coalizão liderada pelo Morena (Movimento Regeneração Nacional), partido de López Obrador e da presidente eleita, Claudia Sheinbaum, tem maioria suficiente para aprová-lo. No Senado, com nova legislatura que assume no próximo domingo (1º), a coalizão tem poucos votos a menos que a maioria qualificada de dois terços da Casa.
Um dos pontos mais controversos da proposta é a instituição de eleições diretas para cargos no Poder Judiciário —dos poucos magistrados da Suprema Corte de Justiça da Nação (SCJN), o tribunal máximo do país, às centenas de juízes federais e estaduais, incluindo os titulares do Tribunal Eleitoral. Aprovada a proposta, o pleito ocorreria já no ano que vem.
A reforma propõe ainda a redução de números de ministros do Supremo de 11 para 9 integrantes, diminui de 15 para 12 anos o mandato deles e estabelece como teto salarial dos magistrados a mesma remuneração do Presidente da República, entre outras mudanças.
Opositores da proposta, funcionários e membros do Poder Judiciário protestaram neste domingo (25) e segunda-feira (26) contra o texto na Cidade do México e estados como Michoacan, Puebla, Leon, Jalisco, Oaxaca e Veracruz. Críticos acusam a reforma de atacar a divisão de Poderes.
“Agora protestamos contra as reformas, mas não é só isso. É contra todos esses ataques contra o Poder Judiciário e outros órgãos autônomos. O que isso termina por fazer é fortalecer o Executivo, a próxima presidente”, disse à Associated Press o advogado Mauricio Espinosa, na capital. “Juízes terão que levantar verba para campanha, encontrar alguém que os banquem. Então, as sentenças deles não serão mais 100% independente”, afirmou.
AMLO, como é conhecido o presidente mexicano, tem defendido a proposta, sua prioridade no fim de seu mandato, como uma forma de democratizar a Justiça e acabar com suposta corrupção do sistema judiciário.
Cerca de mil juízes mexicanos denunciaram a reforma judicial nesta segunda à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), sob o argumento de que a proposta é um golpe de Estado disfarçado.
“Não querem juízes que limitem as arbitrariedades, querem pessoas que simulem ser juízes e que avalizem todas as ações dos governantes de turno. Pretendem um modelo que garanta a lealdade ao partido no poder, em vez de lealdade aos direitos das pessoas”, disse o magistrado José Manuel Torres a jornalistas.
Na última quinta-feira (22), o embaixador dos Estados Unidos no México, Ken Salazar, definiu a proposta de reforma como uma ameaça à democracia mexicana, afirmando que a proposta exporia o Judiciário à influência do crime organizado e colocaria em risco as relações comerciais entre os dois países.
Em um comunicado nesta segunda, a Câmara Americana de Comércio do México expressou preocupações de empresas com a proposta e argumentou que trocas comerciais requerem “segurança jurídica, transparência judicial e clareza”.
“Vemos riscos para a independência [do Judiciário], um possível retrocesso na profissionalização do judiciário especializado, custos mais altos, uma redução na eficácia do sistema judicial e a geração de incerteza para investimentos”, disse o grupo empresarial.
AMLO afirmou que Washington estaria interferindo em questões internas do México. “Tem havido uma falta de respeito a nossa soberania, como essa lamentável declaração do embaixador Ken Salazar. Não aceitamos que qualquer representante de governos estrangeiros intervenha em questões que só diz respeito a nós”.
Claudia Sheinbaum, presidente eleita que assume o cargo no dia 1º de outubro, enfatizou que a reforma judicial tinha como objetivo aprimorar a democracia. “Nós sempre teremos diálogo com nossos parceiros comerciais, como os EUA, mas não precisamos discutir tudo [com eles]. Algumas questões são responsabilidade dos cidadãos mexicanos”, disse.